Textos

Que Viagem!!



Sento no teco-teco que chamam de avião e que faz o trecho Bauru-Congonhas. Costumamos fazer uma piadinha com os nomes das duas companhias que detinham esse trecho, Pantanal e Passaredo: passa-mal  e passa-medo. Agora a Gol também o atende, o que eu não sei se é exatamente uma boa notícia.

Lembro-me de não haver preenchido o verso do cupom conforme exigência da ANAC, mas morro de preguiça. Para quê eles querem saber um nome para contato? Se o avião cair mesmo, em menos de uma hora, todos os jornais e milhares de emails já estarão alardeando o assunto. Se eu não chegar ao meu destino, todos os meus entenderão o óbvio. E irão se aboletar nos balcões da companhia, buscando a informação que não querem ter: sim, eu estava no avião.

Roubando-me desse raciocínio, senta-se ao meu lado um rapazinho, telefone celular grudado na orelha, visivelmente enfadado:

- Tá, mãe... Tá bom, mãe!... Já rezei, mãe... Sim, mamãe! Fiz o sinal da cruz... Não, mãezinha, não se preocupe... É seguro, sim... É pequeno, mas é seguro... Tá, mãezinha... Também te amo, mãe.

Neste momento a aeromoça aproximou-se e pediu-lhe que desligasse o telefone.

- Mãe! Vou ter que desligar... E não se preocupe. Qualquer coisa, minhas radiografias dentárias estão na primeira gaveta da cômoda, tá?

E desligou, rindo sozinho. Maldade, assustar uma mãe desse jeito, mas não pude evitar de achar graça com ele.

Gosto de viajar de avião e não me lembro de ter tido medo em nenhuma de minhas viagens.

Já passei uns apuros, como atrasos, mudanças de portão, vôos perdidos... Na volta de minha última viagem a São Paulo, por causa da chuva, meu embarque atrasou duas horas. Já acomodada na aeronave, a comissária de bordo iniciava aquele blá-blá-blá sobre como agir em caso de despressurização da cabine, quando o piloto informou que teríamos que desembarcar. O aeroporto de Congonhas fecha às 23h para pousos e decolagens, por causa da vizinhança. Resultado: aquela confusão danada, o pessoal irritado, cansado, com fome, cercou os atarantados atendentes da Gol que não sabiam o que fazer. Para piorar a situação, um jato da Tam decolou nesse intervalo, aumentando a ira dos meus companheiros de viagem. Inicialmente, os laranjinhas tentaram negar a partida do avião da outra companhia. Depois, vencidos pelos argumentos de “Ninguém me contou! Eu vi!”, defenderam-se dizendo que na carga da tal aeronave havia um órgão para transplante. Depois de muito bate-boca, fomos encaminhados a Guarulhos, de onde pudemos finalmente, embarcar. Cheguei em casa às quatro da manhã, quase cinco horas após o previsto.

Na ocasião do terrível acidente em que um avião da TAM, ao pousar, não conseguiu frear e acabou por chocar-se contra um prédio do outro lado da pista de Congonhas, eu viajaria no dia seguinte, para o mesmíssimo aeroporto. Como meu compromisso não exigia urgência, preferi adiá-lo até que a situação se normalizasse, após o tumulto que se formou. Brincava com os amigos dizendo ter cancelado a viagem, para não quebrar as unhas, uma vez que seria inevitável apertar descontroladamente os braços das poltronas do avião, a partir do momento em que ele tocasse a pista, até que ele parasse completamente. Brincadeiras à parte, tinha mesmo algum receio de que a história se repetisse, já que a perícia acusou falhas na pista do aeroporto.

Ainda devaneava sobre minhas viagens, quando o aviãozinho balançou. Balançou de novo e mais uma vez. O aviso de "apertar os cintos" foi aceso e as garçonetes-bonitinhas-para-espaços-reduzidos interromperam o serviço de bordo e empurraram rapidamente seu carrinho para o fundo do corredor. O piloto anunciou que entraríamos numa turbulência. Puro eufemismo. Estava mais para uma comoção, um terremoto, tsunami, furacão. Sentia-me numa coqueteleira que transformou o Todinho ingerido momentos antes do embarque em milk shake de chocolate. A coisa realmente foi esquisita. Normalmente, nas turbulências, tem-se a sensação de estar trafegando por estradas brasileiras sem pedágio, uma incômoda trepidação. Desta vez, também balançávamos para os lados e até em movimentos de gangorra, ora inclinando o bico para baixo, ora para cima. De repende, comecei a me preocupar... será que o marido conseguiria encontrar as minhas radiografias dentárias? Dez longos minutos depois, atingimos a paz de um céu de brigadeiro. Não deu para saboreá-lo muito, já que estava meio ressaqueada.

Ao chegarmos ao aeroporto, o avião alinhou-se ao piso. Ouvi, meio que senti, um baque surdo e a travadinha típica da aterrissagem, mas muito mais sutil. Pensei comigo: puxa! Que delicadeza! Depois de sacolejar como o filhote de uma canguru fã da pipoca no carnaval de rua pernambucano, tive que render-me à habilidade do piloto. Minhas loas duraram menos de um segundo. Foi quando ele realmente pousou, isto é, chocou-se contra o solo, quicando e aterrando novamente, com a elegância de um albatroz bêbado. E eu que já olhava pela janelinha, acabei dando um mau-jeito no pescoço. O piloto, não tão habilidoso afinal, terminou suas manobras enquanto eu massageava o pescoço e vários celulares iam sendo ligados à minha volta. Inclusive o do meu vizinho que anunciou, aliviado:

- Cheguei, mãe. Graças a Deus.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 13/04/2010
Alterado em 13/04/2010


Comentários
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Beatriz Cruz
Eu nunca passei por um sufoco desses dentro de avião, mas uma vez tive que embacar em Congonhas horas depois que um avião tinha caido em cima de umas casas logo ao sair dali...lembro a cara de preocupacão do motorista de taxi quando pedi que me levasse ate la...
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Hull de La Fuente
Minha linda, seu relato me fez lembrar a quantidade de sufocos que eu já vivi em aviões, inclusive sobre o oceano. Uau! Estou aqui viva, acho que Deus gosta de mim, mas eu continuo achando que o avião é o melhor meio de transporte. Parabébs! Amei ler você. Beijos, Hull
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meriam lazaro
Só rindo mesmo, Nena. Que loucura! Tenho uma amiga que tem pânico de avião, mas viaja quando é obrigada a isso. Uma vez quando os filhos eram crianças a família viajou e o menino menor, que já ouvira horrores sobre voar, em meio ao silêncio, perguntou: "Mãe, é agora que o avião cai?". Foi uma risada só. Agora já não seria uma questão ingênua considerando os problemas com a aviação. Abraço, Meriam
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Rejane Chica
Linda crônica e acontece cada uma nesses voos,não? E ainda bem que chagaram beme orapaz pode dar ESSDA notícia pra mãe,rssr... beijos,chica
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Alexandre Menezes
Adorei o texto. Minha mãe também é do mesmo jeito. Também ligo quando chego, quando demoro, quando desembarco. Deus conserve as mães. Forte abraço.