Textos

Roubaram Minha Paz

No ano passado, fomos vítimas de um furto. O ladrão deu sorte ou teve informações privilegiadas - não sabemos - mas, ajudado por uma série de exceções em nossa rotina e falhas em nosso sistema de segurança, conseguiu arrombar a casa e subtrair alguns de nossos pertences. A situação é horrível, uma sensação de vulnerabilidade bastante desagradável, mas a seqüência dos fatos desde que identificamos a ocorrência me levou a um estado de catarse tal que é como se nunca tivesse acontecido. Explico. Temos duas cachorrinhas, que são nossos xodós. Dormem em nosso quarto, quando morávamos em apartamento dormiam em nossa cama. Sempre que chegamos em casa, somos recebidos pelos latidos delas, felizes por nos perceber de volta. No dia do arrombamento, estranhei o silêncio no interior da casa. Comentei com o marido, que explicou-me tê-las deixado presas. Como costumamos trancar as portas internas da casa quando saímos, achei que elas estariam atrás da porta que dá para a copa. Porém ao aproximar-me desta, o silêncio permaneceu:
- Você as trancou lá em cima? - perguntei.
Sem esperar pela resposta dele, virei a maçaneta. Ao abrir a porta, senti o vento. A vidraça que dá para a churrasqueira estava escancarada. Pensei que a empregada tivesse deixado assim. Ainda brinquei com o marido:
- Ih! Não vai brigar!
Ele entendeu logo:
- Fomos roubados.
Esta informação aliada ao estranho silêncio das cadelinhas colocou-me em pânico. Apeei dos saltos altos e corri escada acima, gritando por elas, já temendo o pior. Encontrei-as presas no terraço, muito bem e vivas, embora um tanto assustadas. Os prejuízos financeiros não foram poucos, mas diante da integridade dos meus bebês, pareceram-me insignificantes.
Já o marido, coitado. Acho que bateu aquela coisa do macho que tem seus domínios ameaçados. Um pouco menos de influência do telencéfalo altamente desenvolvido e do polegar opositor e eu achava que iria flagrá-lo urinando pelo terreno, para demarcar o território.
O que teria sido em vão: de madrugada o meliante, pensando que ainda encontraria a porta arrombada, voltou para terminar o serviço. Nunca saberemos se ele esperava encontrar a casa novamente vazia ou queria mesmo nos surpreender dormindo, com conseqüências muito menos previsíveis e, provavelmente, mais traumáticas. Felizmente, o alarme disparou, impedindo-o de entrar e meu marido, aos impropérios, colocou-o para correr. Isto é... Se é que aquilo pode ser chamado de correr. O sujeito saiu caminhando pelo lote e ainda foi possível ver o brilho do cigarro dele andando de um lado para o outro na beirada do córrego, até quase a chegada da polícia.
Algum tempo depois, graças às imagens captadas pelas câmeras de segurança, o ladrão foi identificado e preso, embora nada tenha sido recuperado. Nem mesmo nossa paz.

Solucionamos os problemas em nosso sistema de segurança e ainda aumentamos sua eficiência com outros recursos, mas temos sempre a sensação de que algo pode dar errado e a coisa toda se repetir.
É! Sem que tenhamos sofrido um único arranhão, esse episódio deixou uma cicatriz em nossa paz.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Cicatrizes.
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Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 22/03/2010
Alterado em 24/03/2010


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