Textos

A Profecia Maia
A cigana pegou minha mão e vaticinou vida longa, casamento feliz, sucesso profissional, três lindos pimpolhos que me dariam apenas alegrias e quatro netos, ainda mais lindos. Não acreditando muito nessas coisas, minha mãe resolveu pedir uma segunda opinião. Levou-me a uma senhora que lia tarô. O futuro previsto nas cartas, e também nos búzios, na borra do vinho, do café e folhas de chá era o mesmo. Ainda descrente, ela consultou os astros, fizeram meu mapa astral, analisaram meu nome pela numerologia. Fomos a um mago que usava uma bola de cristal, outro leu meu destino numa fumaça esbranquiçada que saia de um caldeirão. E, se não há uma conspiração generalizada entre todos esses predizentes, minha vida seria mesmo um estonteante mar de rosas.
Não foi bem assim. Quando fiz dezesseis anos as coisas começaram a dar errado. Enrabichei-me por um sujeito casado, quase vinte anos mais velho, dono de uma boca de fumo do meu bairro. Quando a mulher dele descobriu o caso, ele me deixou com uma mão na frente e outra atrás, além de um vício e um filho. Pra sustentar os dois últimos, comecei a vender o corpo. Foram tempos difíceis, não sei porque dizem que é vida fácil. Deitei-me com cada dejeto, cada criatura execrável que se eu contar ninguém acredita. Eu apanhava de bandido e de polícia, de outras prostitutas e dos gays. Meu consolo era meu filho. Meu prazer, as drogas. A vida nas ruas tem prazo de validade curto. Percebi que a clientela diminuía a cada dia, enquanto meu bebê me parecia cada vez mais distante. Acho que alguém disse a ele o que eu fazia para viver, ele me olhava com nojo. Largou a escola. Depois, começou a sair com um pessoal meio barra pesada. Quase não aparecia em casa. Um dia, a polícia apareceu atrás dele. Não entendi direito, estava com muita cocaína na cabeça para compreender o que o meganha gritava enquanto revirava tudo atrás do meu anjo, mas parece que alguém foi morto e o meu guri estaria envolvido. Eu fui em cana por porte de drogas, que eles acharam no meu quarto. Não fiquei muito tempo presa, mas enquanto estava lá, apanhei muito, sofri muito abuso e quase morri em crise de abstinência. Quando saí, procurei meu filho. Ninguém falava comigo, ninguém sabia me dar o paradeiro dele. Até que fui chamada para reconhecer um corpo, encontrado num matagal, ponto de desova do morro. Era ele. Diz que vaso ruim não quebra. Mentira. Quebrei naquele dia. Quebrei em um milhão de pedacinhos. Hoje, vago pelas ruas, sem rumo, como cachorro vadio, dormindo sob marquises, me alimentando da caridade alheia. Das lindas flores que os vates viram em meu jardim, eu só colhi os espinhos.
E você ainda acredita que o munda vá acabar em 2012?

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 12/01/2010
Alterado em 11/07/2010


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