Hoje, cedo meu espaço a um grande poeta: MAmbrózio (Manoel Ambrózio de Medeiros), meu pai.
Falecido em 1997, ele raramente bebia e, nessas ocasiões, o fazia de forma muito moderada.
Ainda assim, por seu trabalho na pastoral onde ajudava crianças, presidiários, idosos e dependentes químicos, achou inspiração para produzir essa pérola. Aproveito a minha falta de inspiração para presenteá-los com essa pequena homenagem ao meu velhinho.
O Pau D'Água
Eu sei que sou cachaceiro!
Pra que negar se é verdade?
O que não é só defeito,
Mas grande infelicidade
Eu podia ser feliz
Sábio, rico e até bonito
Se não fosse escravizado
Por este vício maldito
Se estou em jejum eu bebo
Pro apetite despertar
Bebo depois da comida
Pra refeição completar
Se faz frio, é claro eu bebo
Para o meu sangue esquentar
Bebo quando faz calor
Um trago pra refrescar
Bebo quando estou alegre
Um gole pra festejar
Se estou triste, também bebo
Para as mágoa afogar
Essa de afogar as mágoas
Maior bobagem não há
Pois estas com o treinamento
Logo aprendem a nadar
Tendo perdido a vergonha
Já não faço mais segredo
Bebo quando estou com raiva
Bebo quando estou com medo
Tudo é motivo ou pretexto
Para o pobre viciado
E meu estado normal é este
Sempre encharcado
Mas peço que me acreditem
O quanto tenho lutado
Para afastar pra bem longe
Este vício desgraçado
Já fui ao cego feliz
Já fiz reza, fiz promessa
Mas o poder da branquinha
Não há nada que esmoreça
Gastei com os mais afamados
Doutores da medicina
Em vão, fiquei arruinado
E não fujo desta sina
Mas mesmo estando vencido
Não deixarei de lutar
E hei de conseguir um dia
Da cachaça me livrar
Ah! Mas quando isso acontecer,
Quando eu vencer esta mágoa
Quando deixar de beber
Quando não for mais pau-dágua
Terei tão grande alegria
Em deixar o vício imundo
Que tomarei nesse dia
O maior porre do mundo