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É Impossível Comer um Só!


O belíssimo por do sol naquela erma região rural na Tanzânia em instantes foi escondido por uma monstruosa nuvem buliçosa. Era um maciço dourado, e inquieto, com matizes avermelhados acentuados pelo carmim do poente que tingia todo o céu. Seria um fascinante espetáculo, não fosse a desgraça que ele representava. Eram gafanhotos. Milhões deles. Em poucas horas, devastaram tudo e foram embora.

A notícia espalhou-se rapidamente e, os fazendeiros das áreas ainda não atingidas, desesperados, acionaram as autoridades locais que conseguiram, por meio de um convênio com a faculdade de biotecnologia de Moçambique, o apoio de um especialista no combate às pragas da lavoura. Para que ele pudesse indicar uma solução, precisava saber exatamente qual era a espécie dos gafanhotos, se comportavam alguma mutação, se eram resistentes a algum componente dos pesticidas comumente usados...

O enxame foi rastreado e vários espécimes foram capturados para envio.

Colocaram a preciosa carga na mão do Zé, um caminhoneiro que costumava realizar fretes entre os dois países.

Após dois dias de viagem, Zé parou na porta da universidade, onde foi recebido por um ansioso grupo de pesquisadores e técnicos, dentre eles, o especialista em insetos. Logo entendeu que transportava alguma coisa importante e começou a descarregar as caixas da boléia, com muito cuidado. Assim que colocou a última no chão e pegou a prancheta para que assinassem o recibo, eles se deram conta de que faltava algo.

- Cadê os gafanhotos? – perguntou, detrás de seus óculos fundos uma mocinha espevitada de jaleco branco.

- Os gafanhotos? – perguntou um aturdido Zé.

- Sim! Os gafanhotos!! Estamos todos aqui à espera dos gafanhotos.

- Eu pensei que eram uma gentileza do doutor.

- Não eram, não! Cadê eles? Precisamos começar logo os trabalhos!

- Eu comi! – balbuciou, os olhos grudados no chão.

- Você o quê? – perguntaram os pesquisadores, quase em uníssono.

- Eu comi! – quase chorando e mostrando um vidro vazio – Ia levar pra dividir com a patroa e os meninos, mas... eu gosto tanto. Fui comendo, comendo, quando eu vi, tinham acabado...

Todos estavam desolados... mais um atraso no combate à praga... Toneladas de alimentos perdidos, seres humanos passariam fome.

A mocinha apiedando-se do pobre homem, pegou a prancheta de sua mão para livrar-se logo dele, antes que resolvessem puni-lo. Afinal, alguém deveria tê-lo advertido da importância de sua carga. Enquanto conferia o conteúdo das caixas com o inventário do recibo, deu um grito e começou a pular, histérica! Ninguém entendeu nada, até que ela tirou de um delas um grande pote de plástico transparente, repleto de gafanhotos grandes e gordos, dourados com um brilho avermelhado. Vários ainda estavam vivos.

Enquanto todos comemoravam a descoberta, o Zé olhava os bichos aliviado:

- Ufa! Eu estava sem entender o que vocês pesquisariam em gafanhotos fritos! E esses são muito maiores do que os que o doutor me deu.

O especialista olhou para o Zé com alguma complacência. Explicou um pouco do risco que aqueles animaizinhos significavam.

O Zé, acenou, satisfeito pela explicação, sem tirar os olhos do pote:

- Posso comer unzinho?



Imagem daqui.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 28/07/2009
Alterado em 05/08/2010


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