OutubrosEle caminhou para o carro, a grande mala na mão. Falou, sem olhar para trás:
- Volto no feriado, para buscar o resto das minhas coisas...
O feriado em questão seria a próxima sexta-feira, dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. Dia das crianças. Dia de passear de mãos dadas no zoológico, comendo algodão doce.
Olhei para ele, que não disse, mas pareceu dizer:
- Adoraria que você não estivesse em casa quando eu vier.
Não fiquei em casa. Aproveitei o feriado e emendei o final de semana para fazer uma pequena viagem. Quando cheguei, recuperei as chaves, deixadas na caixinha do correio.
Não chorei. Incrível. Cinco anos de relacionamento intenso, muitas brigas e reconciliações apaixonadas. E, de repente, percebê-lo fora da minha vida deu-me uma leveza que eu nunca tive.
Não é que eu estivesse feliz. Todo amor, ainda mais um grande amor como este, quando vai, deixa um buraco. Passei a chamar o episódio de outubro vermelho, lembrando o nome do filme, em que o comandante soviético decide desertar.
Mas, algo em mim dizia que esse grande vazio ainda era melhor do que a vida que levávamos juntos. Vê lá se eu tenho condições de ficar com um sujeito que escolhe a primavera para deixar de me amar... Logo a primavera, minha estação preferida, com seu frescor e suas flores e passarinhos e borboletas e todo aquele clima de "love is in the air"... E logo em outubro, o mês mais primaveril de todos...
Depois de longo e tenebroso inverno, também deixei de amá-lo. Mas, nunca deixei de amar a primavera. Não deixei de amar outubro com seu feriado de rezar pelo Brasil e de voltar a ser criança.
E foi justamente numa noite fresca de lua cheia de um outro outubro, que conheci você... você que há alguns anos caminha ao meu lado e me vem sempre sorridente como criança no zoológico, carregando nas mãos uma grande bola de algodão doce. Você que se parece, todos os dias, com a manhã mais luminosa, da primavera mais gentil.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo “Meses”
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