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Mulheres Perdidas - Perdida no Vaticano
Europa, eis que vim... Eu, que nunca tive ganas de conhecer o berço do mundo ocidental, acabei convencida pelo marido e a sobrinha dele, Nandinha, cidadã francesa há uns cinco anos, aproveitando as férias dela que se propôs a nos ciceronear. Em Roma, faça como os Romanos e, como nem lá se utilizam mais aquelas togas demodês, fomos ao Vaticano. Museus incríveis, a Capela Sistina, a Basílica de São Pedro... O que eu não esperava era aquele clima de saída de estádio, gente empurrando, enquanto caminhamos pelos corredores. Para ver qualquer coisa, é preciso afastar-se do fluxo de pessoas, pois, basta reduzir um pouco os passos para ser atropelada, enquanto um "seu guarda" patologicamente antipático fica gritando "don't stop! don't stop!". E foi numa dessas paradas que me perdi do pessoal. Fiquei lá, embasbacada olhando um magnífico afresco e, quando procurei, não vi mais ninguém. E agora? Estariam à minha frente ou atrás de mim? Resolvi esperar um pouco e recolhi-me a um nicho para não atrapalhar o fluxo dos turistas. Ainda assim, cada um que passava acabava me esbarrando e eu fui me encolhendo mais. De repente, bati meu cotovelo em alguma coisa, ouvi um click, e toda a parede atrás de mim cedeu, fazendo-me cair. Em seguida ela tornou a fechar-se isolando-me da turba num corredor escuro. Uma passagem secreta? Já havia ouvido histórias sobre os segredos do Vaticano, mas achava que estavam mais associadas a fortuna da Igreja e suas fontes, à  posição pouco católica adotada pelo alto clero no episódio da Segunda Grande Guerra ou, ainda, às muitas sociedades misteriosas que pululam naquelas muralhas ou ao redor delas. Nunca poderia imaginar algo assim. Levantei-me do chão empoeirado, e tateei as paredes buscando o mecanismo que me permitiria sair dali e reencontrar os outros. O que encontrei foi uma luminária antiga, à óleo. Inútil, para mim, que não fumo, não tenho fósforos ou isqueiro. Bati contra a parede, gritando por ajuda, mas, assim como não podia ouvir o burburinho ensurdecedor da multidão lá fora, certamente ninguém lá fora seria capaz de me ouvir.

De repente, senti um arrepio. Um lugar assim, deve estar cheio de aranhas e outros insetos. Tiro a máquina fotográfica da bolsa, abro a tampa. A luz de foco do flash automaticamente se acende, iluminando tudo à minha frente. Sinto um certo alívio em ver que tirando alguma poeira e mofo, o corredor está limpo. Há sim, teias de aranha nos cantinhos, mas percebe-se que não é um local totalmente abandonado. Provavelmente, há rotina regular de limpeza.

Verifico a parede em busca do mecanismo para abertura da passagem, mas não encontro. Não faz sentido. É natural que o mecanismo para entrada nos corredores secretos seja escondido. Mas, para sair?

Decido caminhar. Quem sabe não é por ali que os empregados circulam quando os saguões estão lotados como agora? Posso encontrar alguém que me ajude a retornar aos ambientes públicos daquele lugar. Depois de uma meia hora circulando na escuridão, começo a me desanimar. A bateria da máquina já está acabando e parece que todos os corredores são rigorosamente idênticos. Muito provavelmente já passei por várias portas igualmente camufladas como aquela por onde entrei. Olho para cima, em busca de algum apoio divino. Afinal, estou na casa dEle, ou pelo menos, andando sobre a pedra onde São Pedro erigiu sua Igreja.  Vejo algo preso no teto. Lanço o foco da máquina em sua direção e fico pasma em observar um cartaz, com setas e palavras.

Quase não consigo me conter de alegria e vergonha. Afinal, já devia ter passado por várias delas no meu caminho até ali. Mas, que idéia!! Por que colocar as tais placas tão alto?

Desisti de entender os clérigos. Melhor ver o que me diz a tal placa e procurar meu rumo, antes que a luz se vá de vez. Aperto os olhos e consigo ler. Mentira! Consigo ver que não sou capaz de ler aquilo. Esperava italiano ou até inglês mas, vaticanês?? Deve ser latim antigo... Dá vontade de chorar.

Porém, há duas setas. Uma delas, apontando a parede. Isso significa que deve haver uma saída por ali e nem preciso procurar muito: há uma alavanca quase na altura dos meus olhos. Devo ter passado por várias delas nos últimos quarenta minutos. No lusco fusco, elas se parecem com um dos muitos archotes inúteis que vi pelo caminho. Aciono a alavanca, a parede se move e me deparo com um enorme salão, ricamente ornamentado. Os olhos logo se acostumam à luminosidade suave, aconchegante, vinda quase que unicamente dos inúmeros vitrais que representam passagens bíblicas. Nas paredes, belíssimas pinturas sacras de vários períodos históricos e esplêndidas esculturas em mármore Carrara de alguns santos católicos. No centro daquele ambiente um pedestal também em mármore, sobre um grande altar, cercado por  poltronas em veludo vermelho em estilo Luis XV. Curiosa e extasiada com aquele achado, subo as escadas para ver de perto o pedestal. Sobre ele, uma pequena caixa de vidro exibe alguns ossos, aparentemente humanos, delicadamente acomodados num pano de linho muito antigo, rústico mesmo. Uma plaqueta dourada exibe uma oração ou explicação sobre o conteúdo da caixa. Não entendo quase nada, exceto “Corpus Christi”, o corpo de Jesus. Lembrei-me de ter assistido há alguns anos um documentário na Discovery, falando sobre o sepulcro de Jesus, encontrado em uma escavação ocorrida em 1980, em Jerusalém.  Ele sugere que o corpo teria sido escondido pela Igreja, temerosa em derrubar a fé na ressurreição de Jesus. Existe até um filme com o delicioso Antônio Banderas, chamado O Corpo, que trata desse dilema cristão.  Eu, particularmente, acho uma grande bobagem. A existência de um corpo apenas iria comprovar, cientificamente, que Jesus existiu. Sua ressurreição poderia ter sido apenas espiritual, o que faz muito mais sentido. No meio de toda essa lógica, um sino tocou na minha cabeça e dei-me conta de que poderia estar diante da ossada de Jesus Cristo. Caí de joelhos, quase que automaticamente.  Tomada por uma indizível emoção, comecei a chorar. Balbuciava pedaços de oração e soluçava. De repente, ouvi uma voz. Não era bem uma voz, era um sussurro, um sinal... difícil descrever.  Mas, senti um enorme conforto, levantei-me, enxuguei o rosto. Mais racional, percebi que estava diante de um dos maiores segredos da história da fé cristã. Um segredo que deve ser guardado a sete chaves. Comecei a me dar conta do perigo que corria. Imediatamente, voltei para a passagem secreta e seus corredores escuros. Com o que restava de luz na máquina, fui procurando as placas no teto e abrindo, cada uma das passagens secretas que encontrava, até chegar a uma capela. Embora vazia, pude ouvir o alarido do povo em algum cômodo contíguo. Saí e procurei seguir o vozerio. Um policial zangado agarrou meu braço e tratou de guiar-me até onde estavam os outros turistas, gritando uma série de impropérios em italiano e inglês, dando a entender que eu havia desobedecido às regras e que deveria sair dali imediatamente. Fiquei muito aliviada em ser lançada novamente no meio da multidão. Esse rio de gente desembocou na rua, onde encontrei o marido e Nandinha, ambos bastante preocupados comigo. Contei-lhes o que havia acontecido. Embora não duvidassem de mim, acreditavam que eu poderia ter entendido errado o texto na caixa.

- Tirou uma foto? -  Nanda quis saber.

Olhei para eles como se estivessem falando grego, enquanto ainda apertava entre os dedos, a máquina com a lente aberta. Nem havia pensado nisso!!

Fazer o quê? Plagiando Roberto Carlos: Foram tantas emoções...

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Este texto faz parte do II Desafio Recantista de 2009.
Saiba mais, conheça os outros textos: http://www.escritoresdorecanto.xpg.com.br/desafio200902.htm
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 27/03/2009
Alterado em 16/04/2009


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