Textos



Vôo Para a Morte


Terminado o almoço, Tonho saiu correndo de casa. Entrava no trabalho às treze horas. Nós, que temos duas horas de almoço, ficamos por lá mesmo, em volta da mesa, ciscando e conversando.
Vinte minutos depois, ele volta, branco, ofegante, os olhos esbugalhados.
- O cara pulou! – balbuciou ele – do terceiro andar!!
Minha mãe levantou-se assustada:
- Nossa, filho! O que houve? Nete! Pega uma água com açúcar para ele, por favor.
Fez com ele se sentasse.
- O que houve, mano? – perguntei.
- O cara pulou da janela! No bloco D. Parou lá, que nem o Di Caprio no Titanic, igual a Jesus, na cruz, braços abertos e simplesmente caiu pra frente.
- Quem te contou isso?
- Eu vi!! Estava indo de frente para o prédio. Tinha acabado de passar pelo quebra-molas quando vi o cara parado lá. Em seguida ele pulou.
- E você?
- Larguei o carro no meio da rua e fui lá, socorrer o infeliz.
- Ele morreu?
- Estava inconsciente. Ainda estava vivo quando eu saí. Os porteiros vieram socorrer, assim como a mãe dele. A ambulância chegou e eu estava muito nervoso para dirigir até o trabalho. Por isso voltei.
Depois, ficamos sabendo. As quadras de Brasília funcionam um pouco como as cidades pequenas. Nem todo mundo se conhece, mas tem sempre alguém que dá a notícia.
O ato não foi um suicídio. Foi mais uma “viagem”. O rapaz, viciado, estava drogado, havia discutido com a mãe e se trancado no quarto. Alucinado, saltou.
Não. O ato não foi um suicídio: ele não morreu. Ficou paralítico, da cintura para baixo, uma vértebra quebrada. A mãe, ao mesmo tempo que lamenta tanta desgraça, agradece a Deus por ele ainda estar vivo. Em seu coração perseverante de mãe, sente que há coisas piores do que a morte, mas que para todas elas há esperança. Pensa que agora será mais fácil controlá-lo, que ele talvez aceite submeter-se a tratamento de desintoxicação, depois desta experiência traumática. Rezemos com ela, por ele. Para o que o seu vôo quase suicida seja mesmo um vôo para a vida. E rezemos ainda por todos os outros que escolhem este caminho tortuoso, para que consigam sair dele sem precisar de nenhum ato tresloucado, sem fazer passar por tanto sofrimento as pessoas que os amam.

Imagem daqui.

Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 24/03/2009
Alterado em 19/07/2010


Comentários