Eu Não Odeio FutebolTaí... Sou um pouquinho diferente da maioria das mulheres. Gosto de futebol. Acredite! Já até tentei jogar. Mas, esse negócio é muito bruto: quase quebrei a canela de uma e fiz a outra menstruar adiantado, ao acertar-lhe um joelhaço no baixo ventre. Desisti. Voltei pro sedentarismo. Era isso ou a Luta Livre! Só bem depois, descobri o tênis e, tirando as boladas que dou no professor durante os treinos, até que sou inofensiva. Exceto contra mim mesma: já consegui me dar uma raquetada e ficar de olho roxo por quase uma semana. Tentei natação, vivia me batendo nos outros nadadores, nas raias, na beirada da piscina. De bicicleta, tomei alguns belos tombos... Até na ioga eu consigo me machucar. Hoje mesmo, estou com as pernas duras de um ássana que praticamos ontem. Cheguei à conclusão de que esse meu problema é uma maldição de família. Corrigindo: das mulheres da família, porque os homens até que levam jeito. Talvez por isso elas tenham se dedicado mais ao corte e costura, ao tricô e ao crochê. Tentei, juro! Costurei um dedo e por pouco não furo um olho com a agulha de tricô... Ei! A culpa não foi minha. Aquele palito pontudo precisava ser tão grande? Acho que, para pessoas desastradas como eu, assistir TV e navegar na Internet pode mesmo ser bem mais saudável.
Mas, voltando ao futebol:
Sou Flamengo e tenho um nêgo que torce pro Grêmio*. Até aí, tudo bem. Fosse ele vascaíno e acho que nem dava jogo. Felizmente, ele não é. Na convivência e, até em prol dela, aprendemos a torcer, um pelo time do outro. É claro que a coisa muda de figura quando os dois times se enfrentam. Aí, é cada um por si. Quando é por algum titulo importante, então, prefiro que vejamos o jogo, cada um num lugar. Nem que seja um no quarto e o outro na sala.
Uma noite dessas, já há uns três ano, tricolor gaúcho e rubro-negro disputariam classificação em algum campeonato. Acho que o Grêmio tinha mais chance, o Flamengo entraria com um time reserva para poupar os titulares para uma outra competição, não me lembro bem. Como eu estava bem cansada e não queria ficar de mau-humor se o time dele vencesse, resolvi ir dormir. Ele, que já estava assistindo TV no quarto, não quis sair. Abaixou bem o volume e ficou quietinho ao meu lado. Bem quietinho. Fiquei impressionada com o auto-controle dele. Até que o chato do Galvão Bueno grasnou: Bem, amigos da Rede Globo! Pra quê? Todo o auto-controle dele derramou-se pelo gramado, levando junto meu sono e sossego. A cada roubada de bola, cada pseudo-ameaça de ataque, falta, bola fora, impedimento, passe errado, passe certo, ele se balançava na cama, resmungava alguma coisa... enfim: torcia.
- Mariiido! Vai ver o jogo no outro quarto... - Pedi.
Ele respondeu, todo meiguinho:
- Ah! Não... Deixa eu ficar aqui pertinho... Prometo que vou me comportar.
E, realmente, se comportou. Embalada pelo som baixinho da TV, finalmente, dormi. Aquele soninho gostoso, que não chega a ser uma dormida... só um relaxamento, um abandono da consciência. Foi quando o Grêmio fez um gol e ele gritou GOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLLLLLL!, me arrancando do Nirvana direto ao Samsara. Disse-lhe uns dois palavrões em Hebraico, que foi a língua mais adequada para xingá-lo pelo susto naquele momento. Certo! Eu também não sabia que sabia xingar em Hebraico. Mas xinguei. Peguei coberta e travesseiro e fui eu, dormir no sofá do outro quarto.
É verdade. Eu não odeio futebol. Mas, devia.
* Paródia sobre a música "País Tropical", de Jorge Ben Jor.
Imagem
daqui.