Cabide (humor - causo)
A viagem de dois dias a Teresina mostrou que, se Deus é brasileiro, o inferno fica na capital piauiense. O calor é simplesmente insuportável, mesmo para ela, que prefere um calor de fritar ovo no asfalto a um friozinho chato. Tirando isso, a cidade é simpática e o povo de lá, muito acolhedor. Ela estava lá, com mais dois colegas de Brasília, para participar de algumas reuniões e visitas a unidades de atendimento. Fora do expediente, porém, simplesmente não pararam. O pessoal da regional os levou para todo canto: shoppings, restaurantes, pontos turísticos, feiras de artesanato e um barzinho com música ao vivo. Em plena segunda-feira.
Como seus companheiros de viagem sabiam que ela canta no coral da empresa, faz backing numa banda e também já haviam-na ouvido cantar em karaokê, ficaram alardeando seus "talentos", elogiando sua voz e incitando o pessoal da regional a conseguir que o músico da noite abrisse espaço para que ela desse uma canja.
Ela não se preocupou muito. O cara era bom, tocava e cantava bem, ninguém ia querer trocá-lo por uma ilustre desconhecida. Mas ele abriu espaço para quem quisesse cantar e algumas pessoas se apresentaram. Precedente aberto, inevitável que a campanha por vê-la pagar mico no palco recrudescesse. Finalmente, ela concordou, mas, espertamente, colocou uma condição:
- Só vou, se ele tocar Cabide, da Mart'nália.
Sabia que ele não tocaria isso. Ninguém toca. Pouca gente sequer conhece esta música que ela adora, mesmo depois dela ter sido trilha de uma novela aí. Fez de tudo para que o pessoal da banda tocasse com ela. Não conseguiu. Nem nos luaus que organiza, nem mesmo como uma gentileza especial à dona da casa, nem implorando...
Pois o sujeito encostou o violão numa cadeira, abriu um notebook, acessou a internet, encontrou a cifra e a chamou para cantar com ele. Sem escolha, ela subiu ao palco para cantar umas duas vezes fora do microfone para que ele "aprendesse" a música. Depois, fizeram o show. Ficou assim, assim, mas o pessoal da regional aplaudiu entusiasticamente, comprovando a gentileza e hospitalidade dos nativos. Queriam um bis. Ela ainda se fez de rogada, mas como cantar é uma de suas paixões, foi ficando lá no palco. O pessoal começou a fazer pedidos, inclusive das outras mesas e ela lá, atendendo com ele. O que eles não sabiam, ele achava na net.
No dia seguinte, ainda embalada pela gostosa noite de glória musical da véspera, fazia uma ótima apresentação sobre o projeto. Um dos fornecedores da empresa de São Paulo que deveria acompanhar os trabalhos chegou alguns minutos atrasado e acomodou-se. Ao vê-la, pareceu surpreso e perguntou, sussurrando, a um dos colegas da regional:
- Quem é ela?
- A gerente do projeto, lá de Brasília. – respondeu ele.
- Mas ela é igualzinha à cantora que vi num boteco ontem à noite, meu!
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 11/02/2009
Alterado em 11/02/2009