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Antes da Lei Seca e da Invenção do Juízo


Fim de tarde. Já estávamos lá sentados, bebendo há horas. Havíamos começado na hora do almoço, a famosa feijoada do Amigão. O lugar era um boteco copo sujo, visitas à cozinha provocavam inapetência automática, mas aos sábados, a feijoada atraía gente de todo canto, sexo, cor, credo e classe social. As mesinhas e cadeiras se espalhavam na pista em frente e os carros paravam em fila dupla do outro lado da rua, estreitando ainda mais a passagem. Quando se aproximava algum caminhão, a galera das mesas mais no caminho, levantava-se para dar passagem. O sol, inclemente, era quebrado pelos guarda-sóis capengas.
Com o anoitecer, algumas mesas já iam sendo desocupadas e desmontadas, mas, alem de nós, ainda havia muitos outros alegres grupos, heróis da resistência, contando e recontando as saideiras.
Nós já estávamos na saideira N. Ou M ou P, não importa muito, quando alguém perguntou:
- E agora? Pra onde vamos?
Maurinho sugeriu a chácara de um amigo. Podíamos comprar bebidas, uma carne e ir para lá, passar a noite jogando sinuca, tocando violão e cantando...
Eu e marido dissemos que não poderíamos mais acompanhá-los, na manhã seguinte seríamos padrinhos em um batizado, mas fomos derrotados pela insistência deles, aliada ao nosso teor alcoólico.
Nesta época, não havia lei seca e muito menos juízo. Saímos de lá direto para um supermercado, onde compramos as carnes e bebidas. Depois, passamos em casa, tomamos um banho e pegamos algumas coisas: colchão inflável, roupa de cama, pijamas...
Nos encontramos com os outros num posto, na metade do caminho. De lá, seguimos em comboio, cerca de sete carros, para um setor de chácaras. Alguns ficaram para trás, acabaram se perdendo. Um, teve um pneu furado. Num determinado momento, paramos o carro em cima de um morro e, de lá, vimos os outros, ou melhor, os faróis dos outros. Parecia um episódio da Corrida Maluca: cada um ou dois ia para um lado, nas trilhas escuras:
- Buzina para eles! - alguém sugeriu.
Creio que outros tiveram a mesma idéia e foi um buzinaço geral. Tudo era motivo pra festa.
Chegamos na chácara já beirando a meia-noite. Fomos recebidos por caseiros armados. Os donos da casa não estavam. Apresentados, alguns telefonemas e, finalmente, pudemos entrar. Lembro que, à porta, havia umas vacas disfarçadas de cachorro. Ou cachorros do tamanho de vacas, não sei. Mansos, o Maurinho nos garantiu. Passamos por cima deles. Um grande passo para a humanidade. Acho até que distendi a coxa na travessia. Mas, isto não nos impediu de ter uma noite incrível. Churrasco, lua cheia, cantoria, amigos, diversão.
Fomos dormir às quatro da manhã.
Acordamos três horas depois, saímos quase que escondidos, deixamos todo mundo dormindo.
Chegamos em casa só a tempo de um banho e corremos para a igreja.
Difícil agüentar a ressaca, mas, tirando, é claro, a parte em que eu tinha que segurar o bebê enquanto o padre jogava água benta na cabecinha dele e eu me desequilibrei, fazendo-o quase afogar o pequenino, até que nos saímos bem...
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 09/02/2009
Alterado em 14/11/2010


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