Textos

Genética de Escritor
Sempre fui à favor da ciência. Creio que, respeitando-se a ética, deve-se investigar tudo, experimentar tudo que possa melhorar, prolongar a vida, a qualidade de vida, reduzir desigualdade, garantir melhores produtos, a um custo ambiental menor. O que me assusta é a linha tênue e volátil que separa o que é ético daquilo que não é. Para cada grupo social, baseado em suas heranças culturais, esta linha pode estar em um ponto diferente do universo.

Recentemente passei alguns bons instantes com um amigo conversando sobre isso. Mais especificamente sobre filmes que abordam o assunto.

Um deles, Gattaca, mostra a seleção genética utilizada como forma de evitar o nascimento de crianças portadoras ou predispostas a doenças hereditárias. A idéia, inicialmente fantástica, é posta em cheque quando as escolhas genéticas vão além das preocupações com saúde e passam a produzir gerações de seres humanos perfeitos, onde os embriões são escolhidos e descartados por características como sexo, estatura, cor dos cabelos ou dos olhos... Um inferno para quem não é fruto de fertilização in vitro, pois o preconceito, agora cientificamente justificado, constitui uma verdadeira barreira às suas mais inocentes ambições.
Outro com o eterno "exterminador do futuro", Schwarzenegger, possui o sugestivo nome de O Sexto Dia. Nesta obra de ficção, embora a clonagem de humanos seja proibida, animais e plantas podem ser reproduzidos à imagem e semelhança de suas matrizes, o que parece simplesmente fascinante. Algo como a vida eterna para nossos amados bichinhos de estimação. Obviamente, tanto conhecimento e poder não escaparia à ambição primaz do homem por sua perpetuação individual e o filme gira em torno de um sujeito marcado para morrer por ter sido clonado por engano.
Falamos de outros filmes e livros de que não me lembro e, em quase todos, os autores apresentam os riscos decorrentes da evolução científica feita de forma irresponsável.
Vamos e convenhamos: de forma irresponsável e inconseqüente, até a mais natural vocação humana, "fazer amor", pode produzir efeitos devastadores. É ou não é?

Recentemente, anunciou-se a eminente ativação de uma máquina (LHC) que simularia um buraco negro, por meio da colisão forçada entre partículas atômicas. O mundo inteiro apavorou-se e a máquina começou a ser chamada de “a máquina do fim dos dias”. Temiam que o tal buraco negro sugasse a terra, o sistema solar, a via láctea. Ligada, ela provou-se menos destrutiva do que alguns acreditavam e está lá, permitindo os estudos sobre fenômenos atômicos que de outra forma não seriam possíveis.

Na minha visão, meio clichê: “seu direito acaba onde começa o do outro”, é ético tudo o que só faça o bem. E deixa de sê-lo a partir do momento que prejudique alguém, ainda que este alguém seja um feto até a nona semana de gestação que possa vir a ser comercializado por mulheres miseráveis (financeira e emocionalmente), que vejam nisso uma forma de sobrevivência. Ou seja, nem sempre o prejuízo da evolução é óbvio como o uso de cobaias humanas pelos médicos nazistas no holocausto. Pode ser muito mais sutil. Pode ser muito mais futuro.

Estava aplicando Roundup no mato lá de casa. Para quem não sabe, Roundup (Glifosato) é um herbicida, criado para destruir vegetação indesejada. O inconveniente do uso do Glifosato é que ele destrói também grama, flores, hortaliças e até mudas de árvores. Por isso, deve ser aplicado com cautela. Lendo a bula, verifiquei que a Monsanto, fabricante do produto, está desenvolvendo uma linha de espécies vegetais geneticamente modificadas para ser resistente ao glifosato. RR, que significa Roundup Ready, é a classificação das sementes preparadas para esse tipo de plantio. Vem um medo... isto é, sei que as plantas podem se missigenar e se você plantar um pé de limão perto de uma laranjeira, terá laranjas azedas e limões insosos. Imaginei se no meio do trigo RR houver o joio e este último, de alguma forma, adquirir características resistente ao uso de herbicidas. E mais, uma vez já sendo naturalmente mais robustos – para quem já teve que combater o mato, sabe que a praga é mais resistente do que as baratas -, não permitirem mais nenhuma forma de combate, destruindo plantações inteiras. O mundo morreria de fome.

Estou brincando, claro. Não pensei tudo isso, mesmo porque não entendo nada de modificação genética e acho que os problemas relacionados a elas vão muito além do desenvolvimento de super-braqueárias. Todos os testes de laboratório não irão permitir identificar seu efeito real em seres humanos, indivíduos diferentes com diferentes metabolismos. Talvez seja esta a explicação para a minha dor de estômago quase freqüente: vegetais geneticamente modificados. Ou, pode ser mesmo o próprio Roundup que eu teimo em aplicar sobre o matagal sem os equipamentos de proteção adequados, sei lá.

Mas, se tem uma coisa que eu sempre tive vontade era de ter mesmo uns clones. Faço tantas coisas e gostaria de fazer tantas outras, que precisaria de uns três ou quatro pra dar conta. Ou então, que me modificassem geneticamente, retirassem esse gene da gastrite e o da tendência à engordar... Pensando bem, melhor não: eu ia comer igual a uma louca, ia dar o maior prejuízo. Talvez, colocar um gene para aumentar o bumbum e os peitinhos, reduzir a cinturinha e... Espera! Espera! Já sei. Quero um gene de escritor, para eu aprender a escrever de verdade e não ficar perdendo seu tempo com uma baboseira dessas!
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 16/01/2009
Alterado em 16/01/2009


Comentários