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Tucanaram a Superstição
Ih! Já comecei este texto plagiando o macaco Simão e... Ops! Plagiando, não! Plágio é uma palavra muito feia, não deve ser usada na frente das crianças.
Digamos que foi uma "incidental". Um empréstimo carinhoso, quase elogioso, já que eu o admiro tanto. Melhorou? Dourei a pílula? Então, para quem não conhece o famoso cronista da Folha de São Paulo ou  não se  recordava deste seu bordão, "tucanês" é o uso de eufemismos como este acima para tornar alguma coisa menos execrável. Divertida referência ao governo tucano de FHC onde as notícias mais escabrosas eram sempre embrulhadas em papel dourado antes de chegarem a nós.
No sul, atucanar quer dizer atrapalhar. Ou seja, estou atucanada com a expressão e ainda não entrei no tema deste texto: a superstição.
E isto não é bom... pode dar azar!
A superstição é tida como tolice de gente ignorante... dessas que só saem da cama com o pé direito e de casa, após consulta minuciosa aos astros, não passam por baixo de escada evitam as sextas-feiras treze e os meses de agosto, colecionam amuletos, trevos de quatro folhas, ferraduras...
Entram em pânico se um gato preto lhes cruza o caminho e... bem... quanto a isso, não lhes tiro totalmente a razão: graças a um gato que cruzou meu caminho, que, por acaso, nem preto era, tomei um tombaço de bicicleta, quase fui atropelada e ainda briguei com o marido*. Está bem, está bem... provas circunstanciais não ganham causa: gatos não dão azar.
Então, voltemos ao tema: supersticioso é aquele sujeito que acredita que quem quebrar um espelho, terá sete anos de azar, se a orelha ficar quente, se prepara para enfrentar intrigas, mas se a mão coçar, pode esperar uma graninha extra.
Assim como acredita em maus presságios, o supersticioso também confia em simpatias: vassouras viradas de cabeça para baixo espantam visitas indesejadas, três pulinhos para São Longuinho encontram objetos perdidos e o pobre Santo Antônio paga um dobrado na mão das solteironas...
A lista de sandices é interminável e quase todos nós já fomos supersticiosos alguma vez em nossas vidas. Mesmo que em tom de brincadeira, embora tenhamos vergonha de admitir e olhemos com desprezo as pessoas que realmente acreditem nessas bobagens. Somos pessoas maduras, conscientes, modernas, cosmopolitas, evoluímos muito, estamos a milênios de distâncias da idade média, das caças às bruxas, do sobrenatural.
Na contramão dessa via, as correntes migratórias e a abertura de fronteiras no início do século passado,  nos colocou em contato com a cultura milenar oriental e indiana. De repente, já não é mais tão irracional crer em energias inexplicáveis pelas ciências: chacras, ássanas, tantras, mantras, feng shui, do-in, acupuntura... umas mais, outras menos, essas técnicas de saúde e harmonização vão ganhando espaço em nossa sociedade por sua eficácia real ou imaginária.
Na passagem deste ano, recebi algumas mensagens com dicas do feng-shui para "concentrar energias positivas" em 2009. As listas contêm coisas óbvias como decorar a casa para a festa e festejar com alegria, paz, em companhia da família e os amigos. Também há coisas que fazem sentido, mas o fazem em qualquer época do ano e não só no reveillon, como uma indefectível faxina: limpar, arejar, perfumar e desfazer-se de coisas velhas, quebradas, inservíveis ou que tragam más lembranças; iluminar, trocar móveis, quadros e outros objetos de lugar, cortar os cabelos, fazer as unhas...
A coisa começa a degringolar com as dicas para atrair o bom feng-shui: substituir plantas do interior da casa por plantas novas para a passagem, usar roupas vermelhas, evitar tesouras ou facas, lavar a cabeça ou varrer a casa e cumprimentar as pessoas em seus quartos no dia primeiro.
Bom feng-shui, mau feng-shui... sou só eu quem pensa assim ou a você também parecem apenas embalagem nova para sorte e azar, os filhos feios da superstição?
Não é que eu seja uma pessoa cética. Já dizia Shakespeare: "há muito mais entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia". Entendo mesmo que, por mais evoluída que esteja nossa ciência, nem tudo pode ser explicado. A fé remove montanhas e o cérebro humano tem muito mais poder do que já se conhece até hoje.
Acreditar piamente que algo lhe será benéfico pode mesmo gerar um campo magnético para atrair bons augúrios. Por exemplo, para Rhonda Byrnes, autora de "O Segredo", rendeu alguns bons milhões de dólares.
O que me incomoda nessa fé cega, é que acreditar em azar e maus presságios também pode, do mesmo modo, atrair energias negativas.
Mas isso é raro e não é qualquer um que vai, com o poder da mente, tornar realidade os presságios em que acreditar. Por isso, o que realmente me incomoda na superstição, é o seu poder paralisante, que mantém sob pesado jugo aqueles que nela crêem, inviabilizando ou atrasando movimentos, decisões. E aí, não importa eufemismo, tucanês ou o que o valha: sorte ou bons fluídos, azar ou mau feng-shui, ciências ocultas ou pura crendice só servem mesmo para atucanar.


* Escrevi sobre isso há algum tempo. Se quiser ler, acesse: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/928953
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 12/01/2009
Alterado em 12/01/2009


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