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Adrenalina (o Assalto)
Desci do ônibus carregada de sacolas e atravessei as pistas. Observei um rapaz que seguia o mesmo rumo, mas não me preocupei com ele. Cansada e faminta, chegando de viagem após alguns dias fora de casa, só pensava na sopinha da mamãe que estaria à minha espera.
De repente, porém, ele estava ao meu lado e, sem a menor cerimônia, passou o braço por cima do meu ombro e agarrou meu rabo-de-cavalo, anunciando o assalto. Exibia a mão no bolso, como se estivesse armado.
Eu sou muito tranqüila e sempre pensei que, em caso de assalto, não reagiria. Creio que, se ele apenas tivesse se aproximado e apontado a arma, ele teria conseguido roubar-me os poucos trocados restantes na bolsa. Mas, ao me abraçar, ele iniciou todo um mecanismo de autodefesa, a começar pela inevitável descarga de adrenalina que me ofuscou a racionalidade. Imaginei-me arrastada para trás de alguma das cercas vivas do prédio ao lado, presa fácil. "Ah! Não! Isso, não!" Olhei para a mão oculta, observei o volume do bolso. "Armado, nada!", pensei.
E comecei a gritar por socorro, ao mesmo tempo que lhe dei uma quase cotovelada e tentava dar-lhe chutes, os movimentos tolhidos pela bagagem.
Assustado pela reação inesperada e, certamente, para minha grande sorte, desarmado, ele me deu um soco no queixo e correu.
Os óculos voaram longe com o impacto. Naquela época, eu era absolutamente dependente deles. Abaixei-me para procurá-los, tateando a calçada no escuro, tentando não descuidar do meu perímetro, caso o "elemento" resolvesse voltar. Encontrei-os, finalmente e os coloquei de volta no rosto, retomando o sentido de casa, mas fui obrigada a retirá-los em seguida, muito embaçados das lágrimas que agora escorriam generosas, resultado do susto, do medo, da raiva. Eram muitas emoções, mas a de que me lembro melhor era a raiva. Muita raiva. Do ladrão, por razões mais do que óbvias... De mim, por não ter mudado meu trajeto ao vê-lo, por ter-me colocado em posição de risco, por ter recusado a oferta da minha mãe de pedir a algum dos meus irmãos que fosse me encontrar no meu desembarque... Do governo que, por estar recapeando o eixinho de baixo, mudara a rota dos ônibus para o eixinho de cima, aumentando em mais de quatrocentos metros a distância da parada até a segurança do meu lar...
Cheguei em casa e, ao contar o ocorrido à família, meus irmãos queriam ir atrás dele, meu pai queria chamar a polícia, minha mãe só tentava me acalmar, visivelmente muito mais nervosa do que eu.
O nível de adrenalina no sangue baixou e eu já conseguia rir da situação.
Se o emocional recuperou-se tão rapidamente, o físico nem tanto e meu maxilar ficou estalando por várias semanas. Mastigar era meio doloroso e sempre um retorno àquela experiência tão desagradável... Trazia de volta as lembranças e sensações. Mas a que mais me marcou foi mesmo a raiva. Raiva de apesar do medo, do susto, da dor, da violência, ainda ter a sensação de que deveria ser grata, pois... sabe como é... poderia ter sido muito pior.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 09/01/2009
Alterado em 09/01/2009


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