Pequenas Autoridades

A família aumentou. Há um mês, trouxemos para casa She-ra e Xeena, duas lindas bebês Rotweillers. O marido já vinha tentando me convencer da importância de termos cachorros grandes para aumentar a segurança da casa, mas eu era contra e contava com o apoio de nossas cachorrinhas Daschunds. Porém, ladrões, após trocarem tiros com a polícia em frente à nossa casa, atravessaram nosso quintal em sua rota de fuga, passando por fora do perímetro dos sensores do alarme. Diante desses argumentos, foi inevitável. Assim como foi inevitável apaixonar-me pelas duas bolinhas de pelo preto imitando filhotes de ursos, patas, cabeça e barrigas enormes, desproporcionais aos corpos que se movem descoordenados como bebês de dentinhos nervosos, muito afiados, sempre prontos para nos morder dedos, orelhas, casacos, saias e sandálias.
Talvez por não tê-las, costumo implicar com pais que só falam de suas crias. Lembro do meu irmão, quando minha sobrinha nasceu. Mostrava as fotos do bebê até para o vendedor de gás. Certo! Era mesmo uma criança linda de deixar qualquer pai abestalhado.
- Eu gostaria de falar com o Juarez - dizia algum incauto ao telefone.
- Aqui não tem nenhum Juarez - respondia meu irmão.
- Oh! Desculpe-me foi engano...
- Ah! Não tem importância... Isso me fez lembrar a minha filhinha... você acredita que hoje de manhã, ela... - e contava as estrepulias da pequena.
Para não ficar como ele, policio-me tentando não falar o tempo todo dos meus bebês e havia me prometido que não escreveria sobre as futuras cachorronas. Vinha cumprindo bem meu propósito até o dia em que as levei para vacinar. A veterinária nos orientou a deixarmos as cachorrinhas pequenas "baterem" nas grandes enquanto podem, para definir logo a hierarquia. Isso é a garantia de que, ao crescerem, as Rotties não farão mal às Daschs.
Neste intervalo, as neguinhas já triplicaram de tamanho e já estão maiores que as minhas meninas, mas, ainda levam altas broncas delas. Chega a ser engraçado, ver a Anita pastoreando as duas, aos latidos e mordidas, já olhando para cima. Se esse encontro ocorresse daqui a alguns meses, a história seria outra e nossas pequenas Cofaps manteriam uma relação muito mais humilde diante das novas irmãs. Mas a tendência é que elas continuem dominando. Dizem que a maiora das pessoas que passaram situação semelhante à nossa, têm em casa cães enormes, dominados por doces cachorrinhos de madame. E assim, vamos incentivando nossas "pequenas autoridades".
Para quem não conhece, pequena autoridade é o nome que se dá a quem se aproveita de circunstâncias em que está em vantagem, para subjugar outras que, em condições normais de temperatura e pressão, jamais enfrentaria. Como o porteiro que não manda nem no filho de dez anos em casa, mas basta vestir o uniforme de segurança para tornar-se um sádico, sedento de vingança, que exercita sua tirania com enorme prazer cada vez que precisa barrar alguém na portaria do prédio.
Pequenas autoridades podem imperar impunes por toda a vida, mas também podem ser desmascaradas a qualquer instante.
Nosso maior medo é que esse momento chegue e as grandalhonas percebam que sua ração tem muito mais fermento que a das nossas salsichinhas. Que olhem de cima para elas e entendam que basta uma patada, uma mordida, para acabar com todo o jugo e humilhação.
Esperamos que não. Mas, por via das dúvidas, observamos atentamente uma possível e inesperada redução em nosso estoque de pão para cachorro-quente...