Bom Jesus
Com a caminhonete 4x4 turbo diesel, viajaram todo o nordeste. Iniciaram o trajeto indo de Brasília a São Luiz do Maranhão e, de lá foram descendo, como diziam os amigos da cachaça: "parando nos botecos", passando em todas as cidades de praia pelo caminho. Na caçamba, a moto Ténéré completava o visual arrojado e lhes dava liberdade nas dunas e cidadelas, além de atrair a atenção de policiais rodoviários corruptos que sempre insinuavam a necessidade do "pedágio":
- E aí? Trouxeram alguma novidade de Brasília?
Com toda a documentação em ordem, eles fingiam não entender o recado e acabavam sendo deixados em paz. Passando por Mangue Seco, terra de Tieta, desembarcaram a moto e saíram felizes pela dunas. Numa manobra errada, porém, eles caíram. A moto tombando em câmera lenta sobre a areia deu-lhe tempo para saltar antes do fim da queda e ela escapou ilesa. Ele, porém, não teve tanta sorte e ficou com o tornozelo preso sob o cano de descarga. Acabou com uma feia queimadura na pele fina.
Ainda tinham uma semana de férias, mas resolveram voltar pra casa.
Haviam ouvido falar numa nova estrada, passando por Bom Jesus da Lapa, que reduziria bastante o caminho e, sendo nova, estava em melhores condições do que a estrada antiga que passava por Barreiras.
Porém, no guia que eles tinham, não havia ainda essa opção. Perguntando nos postos, conseguiram desenhá-la no mapa, com alguns equívocos. Por volta das quinze horas, precisavam decidir se mantinham o rumo para Bom Jesus, num caminho rabiscado à lápis a partir das informações de um frentista pouco seguro, sem muito mais detalhes de estrada após a cidade ou se arriscavam um atalho, devidamente mapeado no Guia, com um pequeno trecho de estrada de terra, para o ponto onde eles haviam entendido que a estrada prosseguiria.
Ela ponderou:
- O que são treze quilômetros de estrada de terra para uma caminhonete quatro por quatro, turbo diesel?
Ele aceitou. Pelos seus cálculos chegariam a Brasília por volta das oito da noite. O caminho era divertido, a travessia de um braço do velho Chico feita à balsa, um clima festivo e bucólico. Porém, logo se deram conta de que os treze quilômetros já se haviam convertido em vinte e depois em trinta. Sem sinalização, cada bifurcação no meio de casebres e fazendinhas era um tiro no escuro. Estavam perdidos, sem viva alma para dar informações. A solução foi continuar rodando e assim o fizeram. Felizmente havia combustível bastante para isso, e alimentos no carro, pois certamente não encontrariam nenhum bar ou restaurante pelo caminho. Quando, finalmente avistaram uma corrutela, já era noite e as informações obtidas não ajudaram muito. As estradas e paisagens, tão parecidas durante o dia, à noite com o campo de visão restrito à área iluminada pelos faróis, parecia que rodavam sempre no mesmo lugar. A todo instante, animais atravessavam à frente do carro. Os mais assustadores, eram aranhas negras, enormes e peludas que venciam a distância entre um lado e outro da pista como se catapultadas fossem, tal era a sua velocidade. Num determinado momento, não mais se contendo, ela disse, meio assustada:
- Preciso fazer xixi.
Ele reduziu a velocidade.
- O que está fazendo?
- Vou parar...
- E você espera que eu desça?
- Ué! Banheiro aqui, a gente não vai achar...
Ele tinha razão. Mas a simples idéia de por os pés no chão, ao alcance de um daqueles monstros temidos até pelo destemido Indiana Jones era-lhe insuportável. Finalmente encontraram a solução. Ele parou o carro, bem no meio da estrada. Ela acocorou-se no estribo e de lá mesmo aliviou-se, enquanto ele iluminava à volta dela com uma lanterna, para evitar surpresas.
Mais alguns quilômetros e ele já não agüentava mais o sono e o cansaço. Ela assumiu a direção, embora também estivesse exausta. Pouco tempo depois, chegaram a uma estrada asfaltada. Foi uma enorme injeção de ânimo, ele voltou a dirigir e, surpresos, perceberam que estavam nos arredores de Goiânia.
Já estava clareando, quando chegaram a Brasília.
Eles brincam até hoje: com tanto espírito de aventura e tão pouco senso de direção, deviam dar graças a Deus por não terem ido parar no Acre.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 29/07/2008
Alterado em 02/08/2010