Textos



Quem Tem Medo de Ir Pro Inferno?


Estava conversando com um amigo sobre o meu conto lésbico. Ele elogiou o trabalho e não acreditou quando eu disse que não foi premiado. Nem com menção honrosa. Eu, apesar de concordar com ele que o texto ficou bom - desculpem-me, é meu filho, eu tenho que gostar dele - entendo que as razões para sua não premiação podem ter sido o excesso de pieguice e a superficialidade do erotismo, demonstrando uma, embora falsa, indesejável moralidade sobre o assunto. Mas, principalmente, acredito que a incursão por temas religiosos, morte, céu, purgatório, reencarnação tenha sido fator crucial, uma vez que todos evitam esse tabu. Deve ser medo de ir pro Inferno.

Lembrei da Cia. de Comédia os Melhores do Mundo, grupo de teatro de Brasília, de onde saíram os atores que participam do programa Zorra Total, da Globo, Adriana Nunes, Welder Rodrigues e Ricardo Pipo. Muito conhecidos em Brasília, suas apresentações lotam nossas maiores salas. Em Misticismo, eles satirizam várias religiões. Numa das cenas, o palco é iluminado por várias tochas e eles vestidos como monges, falam bobagens imitando o canto gregoriano. Na noite em que fui assistir à peça, a chama de uma tas tochas atingiu as cortinas. Avisados pela platéia, eles agiram rapidamente e o fogo não se espalhou. Após o susto, Adriano Siri, espirituoso, vaticinou:
- Deve ser castigo.

Fico pensando nisso à vezes. Se, na missa o padre diz faça isso e não faça aquilo, a gente segue. Se no culto é o pastor quem nos arrebanha, são suas orientações que seguimos. Nem sempre as determinações e proibições são as mesmas. O fato é que, como não sabemos qual é a fé mais aderente aos preceitos divinos, seguindo qualquer uma corremos o risco da danação eterna.
Tem uma piadinha, sobre um velhinho evangélico moribundo. Ao receber a visita de um pastor, que lhe diz para renegar o Diabo e declarar seu amor a Deus, ele permanece calado. Depois de muito insistir o pastor pergunta se ele não quer ir para o céu e o velhinho responde:
- Enquanto eu não tiver certeza pra onde vou, não quero encrenca com ninguém...

As divergências entre os dogmas de cada religião são gritantes. Os muçulmanos, do outro lado do planeta, seguem coisas que achamos absurdas e eles acham que somos todos infiéis pelo modo como adoramos nosso Deus. Tenho um amigo adventista. Não comemora aniversário de nascimento. De ninguém. Se a festa é por qualquer outro motivo, vai, comemora, bebemora, canta e dança. Mas se for aniversário... não conte com ele. Imagina se é mesmo pecado comemorar a passagem da data de nosso nascimento... Eu ia pro Inferno de tobogã. Só meus, foram 41!!! Seguindo a Bíblia ou o Corão, Buda ou Jesus, podemos estar nos aproximando ou afastando dos céus, podemos estar nos tornando espíritos de luz ou apenas agravando nossa situação de espíritos de porco.
Mais uma piadinha sobre diferenças no trato da fé: Um padre sentado ao lado de um rabino à mesa, provoca o outro oferecendo-lhe uma suculenta fatia de leitão. O rabino recusa, argumentando que sua religião não permite a carne de porco. O padre comenta:
- Nossa! Que religião mais esquisita! Leitão é tão bom!
Vingança é um prato que se come frio. Ao final do jantar, despede-se do padre:
- Mande minhas recomendações à sua mulher!
- Minha mulher? Minha religião não permite casamento de sacerdotes! - responde o padre horrorizado.
- Mesmo? Que religião mais esquisita! Mulher é tão bom! - comenta o rabino.

Se em alguns lugares do mundo mata-se em nome da fé, no Brasil, as diferenças são mais sutis, até por conta do sincretismo de nossas origens tão diversas. Católicos participam da festa de Yemanjá em dois de fevereiro, os orixás são representados por santos católicos, e todo mundo acha que em outra encarnação viveu alguma coisa que pode explicar este estranho medo de tesouras ou essa forte atração pela lua.

Na minha humilde opinião, de católica ex-praticante, devemos aprender a respeitar a fé e os dogmas das religiões alheias, mesmo que não acreditemos neles. Creio que Deus prefira que nos empenhemos em melhorar, a cada dia, como humanidade, do que ficarmos balbuciando orações, que às vezes, para nós, nem fazem muito sentido. Norma Astréia, em seu ótimo texto "Eia, Pois" fala muito bem disso. Só fui aprender a rezar a Salve Rainha depois que meu pai morreu. Ele foi presidente da congregação Mariana de Brasília e sempre rezávamos o terço em casa, mas minha cabecinha não conseguia decorar esse monte de palavras sem sentido para mim.
Acho que Raul Seixas foi perfeito em sua DDI (Discagem Direta Interestelar): "Não é só novena, terço e oração/Em vez de resmungar eu quero é ver/Vocês em ação". Ok. Raul Seixas está longe de ser um guru ou líder religioso, mas ele tem tanta razão... Sabemos de pessoas que rezam tão bem, lêem a Bíblia com freqüência, fazem orações lindas, mas na hora de fazer o bem, estão sempre ocupados demais para isso. Isso quando não estão fazendo o mal mesmo. Lembro que eu era católica praticante, freqüentadora de grupo de jovens e tudo. No colégio, tinha um colega que se dizia ateu e tinha argumentos tão consistentes para essa sua opção que eu comecei a duvidar da minha fé. Orientada pela minha mãe, procurei o pároco da igreja que freqüentava. Ele me deu um chá de cadeira de quase duas horas. Desisti da conversa, reduzi minha participação no grupo e só não virei atéia também porque não consigo aceitar a maravilha que é o mundo sem acreditar na existência de Deus.
O professor Gretz, palestrante e autor de vários livros de auto-ajuda, citado até pelo Felipão como fonte de consulta, diz que não acredita em ateu. Diz que tem vontade de encher um avião de ateus e desligar os motores.
Preciso explicar que a idéia não é o extermínio de ateus? O que ele sugere é que, em momentos de medo extremo, todos nós procuramos suporte dos céus, mesmo que afirmemos não acreditar nisso.

Seja como for, ateus convictos ou fervorosos cristãos, creio que sua chance de encontrar-se com o Pai ao término da lida, no despejo desta morada, reside principalmente no fazer o bem, viver o bem, estar bem.
Acredito, piamente, que Deus é amor e saberá interpretar nossos atos da melhor forma possível no dia do nosso julgam
ento.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 07/07/2008
Alterado em 17/06/2010


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