Núpcias, Pra Quê Vos Quero??
Depois de oito meses morando juntos, resolvemos casar.
Não era uma vontade nossa. Ao contrário, eu sempre fui avessa à idéia do casamento, julgava perda de tempo e dinheiro com uma festa na qual as pessoas vão por obrigação e, ao final, saem sempre reclamando da qualidade ou quantidade dos comes e bebes. Porém, nossos pais estavam incomodados com a situação e não perdiam a oportunidade de tentar convencer-nos a contrair núpcias. Só esta expressão já me provocava arrepios. Contrair núpcias deve ser pior do que contrair gripe, eu pensava.
Papai foi fator decisivo. Muito doente, portador de mal de Parkinson, enfraquecido, vulnerável e muito católico, acreditava e fazia questão de me dizer sobre sua crença de que iria para o inferno se permitisse que eu continuasse a viver em pecado. Eu não achava que estávamos vivendo em pecado, mas não queria que meu velhinho fosse para o inferno. Ou vivesse nele, como era o que parecia estar acontecendo.
Assim, meio a contragosto, escolhemos a data: doze de junho, dia dos namorados. Não por puro romantismo, como qualquer desavisado poderia supor, mas porque caía numa sexta-feira e, na quinta-feira seguinte, seria feriado de Corpus Christ. Juntando os três dias de gala com o feriado e mais uma enforcadinha na sexta, poderíamos nos dar ao luxo de uma semana de lua de mel.
Dispostos a convidar apenas os amigos mais íntimos e familiares, escolhemos a capelinha de um seminário para a celebração. Não compramos alianças: não tínhamos intenção de usá-las e, para a cerimônia já estava tudo combinado com a irmã e o cunhado dele, que nos emprestariam as suas. Somente às vésperas do mês de junho, a futura sogra e cunhadas me convenceram a alugar um vestido. Fomos juntas escolher um modelo. Ao final de uma interminável tarde de sábado, em que desfilaram longos vestidos brancos cheios de véus e pedrarias, eu finalmente saí vitoriosa e deixei encomendado um gracioso vestido de debutante, na cor champagne, curto, de alcinha.
Enfim, chegou a data esperada. Contrariando todas as recomendações em contrário, nós ainda trabalhamos no período da manhã. Sem carro, peguei uma carona até a casa da minha mãe onde almocei e depois, minha cunhadinha me deixou no salão. Ao ver o preço, fiquei chocada. Liguei para o marido, isto é, na época, ainda era amázio, para que viesse buscar-me e me levasse a outro lugar. O salão, especialista em noivas, iria cobrar umas três vezes mais do que eu pagaria em qualquer outro estabelecimento para fazer as mesmas coisas: manicure, pedicure, cabelo e maquiagem. Ele, com preguiça, insistiu para que eu ficasse lá mesmo. Era um dia especial, justificava. Sem alternativa, acabei ficando.
Mostrei a foto de como queria o cabelo, apenas um realce nos meus cachos naturais, nada de muito trabalhoso. Quando, poucos instantes antes da cerimônia mostraram-me o resultado, quase chorei. O cabelo estava ridículo, muito diferente do que eu havia imaginado, numa escovinha amassada. Última moda, dizia o autor da façanha. Não havia tempo para fazer mais nada, mas a vontade era entrar debaixo do chuveiro e desfazer tudo. A dona do vestido veio entregá-lo, e não levou as florezinhas que eu havia escolhido para enfeitar o cabelo, e sim uma tiara muito jeca, que até combinava com o vestido, mas nem um pouquinho comigo. Vesti-me com uma enorme vontade de matar o cabeleireiro e a dona do vestido. Ah! E também a do salão que não parava de repetir o quanto eu estava linda. Não tive tempo para nada disso. Por causa do mal de parkinson do papai, tudo devia ser cronometrado. Ele tinha pouco tempo em que o efeito do remédio lhe permitiria conduzir-me ao altar. Chegamos à igreja um pouquinho atrasados e nada do noivo. Esperei no carro, angustiada, vendo que meu pai ficava cada vez mais trêmulo. Anotei o nome do futuro marido junto ao do cabeleireiro, da dona do salão e da mulher que me alugou o vestido na lista das pessoas que queria matar naquela noite. Quando ele chegou, correu para esperar-me no altar, mas já era tarde. Meu querido velho Ambrózio já estava bastante debilitado. Assim, entramos os três. Eu, o papai e, ao seu lado, amparando-o um dos meus irmãos. Sem música. Com pouco tempo e interesse pelo assunto, não providenciamos. Juro que eu achava que o pessoal da igreja faria isso. Não ria! Hoje em dia, todo mundo conta com o apoio de mestres de cerimônia pra lembrar de todos esses detalhes. Nós tínhamos uma estagiária de cerimônia – eu. Melhor: uma estagnária de cerimônia.
Mas, se não havia música, por outro lado havia gente! Descobrimos que nossos amigos mais chegados eram suficientes para lotar a capelinha tacanha. Não sabíamos dizer como tanta gente ficou sabendo do evento e resolveu comparecer. A cerimônia foi tranqüila e divertida, com minha sobrinha, uma linda princesinha loira de dois aninhos, brincando ao pé do altar. Difícil segurar o riso ao sermão do padre, dizendo que estávamos ali por sermos tementes a Deus, senão, estaríamos simplesmente morando juntos e não casando-nos sob Suas bênçãos.
Depois, fomos recebidos pelos meus sogros, numa festinha bastante simples e aconchegante, onde comemos bolo e salgadinhos com nossos convidados que não reclamaram dos comes e bebes, afinal. Bom, pelo menos, não na nossa frente.
Apesar de tanta confusão, não matei ninguém naquela noite. Nem o tesão. Exaustos e com viagem marcada para a madrugada seguinte, como dois bons de cama que somos, dormimos feito bebês.
Isso foi há dezesseis anos e eu espero que possamos estar juntos por mais dezesseis, e, ao final desses, outros trinta de dois, e depois, pelos próximos sessenta e quatro, em progressão geométrica infinita como é o amor que alimentamos.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 12/06/2008
Alterado em 12/06/2008