O Ciúme"O ciúme lançou sua flecha negra
E me viu ferido justo na garganta
...
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme"(Caetano Veloso - O Ciúme)
Só quem vive uma relação como refém do ciúme, sabe o inferno que é. Tem aquelas situações que parecem hilárias, quando na verdade não são, da mulher que cheira as roupas do marido, vasculha as coisas dele, carteiras, bolsos, celular, computador.
Às vezes, vale a pena. Recentemente foi divulgado o caso de uma mulher que provou a traição do marido pelos e-mails trocados entre ele e a amante e, com isso, conseguiu arrancar-lhe uma indenização de vinte mil reais. Ainda cabe recurso mas, pelo menos ela está lhe dando um bocado de trabalho.
O ciumento é um sofredor. Sérgio, ao chegar em casa após o serviço, deparou-se com Daniela, deitada sobre o sofá, nua, em posição fetal, chorando. À sua volta o mais completo caos. Parecia que o apartamento havia sido varrido por um furacão. Pensou em ladrões:
- Meu amor! O que houve? Fala comigo!! Eles fizeram alguma coisa com você?
E ela, o rosto crivado de lágrimas, mostrou-lhe o bilhete, amarrotado:
- Quem é essa Lorena?
Levou um tempo para entender e mais ainda para convencê-la de que Lorena era ninguém de um passado longínquo. Ela já vinha procurando há tempos pela prova da traição e desta vez, vasculhando entre os cadernos dele, coisa antiga, encontrou o bilhete da namoradinha do colégio. Enlouquecida, destruiu tudo o que encontrou pela frente.
Adelina pagou um dobrado com Érico. Eles eram apaixonados, morriam de tesão um pelo outro. Mas ele era regulador, vigiava seus passos, ligava várias vezes ao dia, para saber onde ela estava, com quem, fazendo o quê... Eles moravam a poucos quilômetros do trabalho dela. Pois, ele conferia o velocímetro. Pensava que ela não percebia, mas ela desconfiou logo, pois ele sempre iniciava uma nova inquisição toda vez que ela mudava o trajeto ou passava em algum lugar pelo caminho. Os interrogatórios ganhando ares de inquérito policial, Adelina pensava que, a qualquer momento, ele recorreria à tortura para fazê-la confessar o que quer que fosse. O relacionamento foi se deteriorando, até que ela não agüentou mais. Ficou ainda um bom tempo sozinha, com medo de que ele a estivesse seguindo e pudesse fazer alguma estupidez, dessas que a gente vê, aos montes, no noticiário: o imbecil que mata a ex-mulher ao vê-la com outro. Ele não chegou a tanto. Sofreu demais, pensou mesmo em suicídio, mas acabou resignando-se. Após muitas sessões de terapia conheceu a Dinorah e hoje vivem uma relação bastante tranqüila. Dizem que ele escolheu a atual esposa por ser muito feia. Pode ter sido a solução definitiva para ele. Ter ciúme da Dinorah seria como fazer seguro para uma Brasília 77, marrom.
Roberto não era exatamente ciumento. Mas, de vez em quando, dava umas incertas, aparecia sem aviso, fazia umas perguntas contundentes... Uma vez, sua esposa chegou do trabalho e foi logo para o quarto de empregada, fazer umas costuras. Quando ele chegou umas duas horas mais tarde, perguntou onde ela estava. Ela respondeu e, em seguida, perguntou:
- Por quê? Você ligou aqui? - pensava que poderia não ter ouvido o telefone, dali de onde estava.
Ele disse que sabia que ela não estava em casa antes pois a água do vaso sanitário ainda estava rosada do desinfetante usado pela faxineira, prova de que ela não havia usado o banheiro. Ela, que sempre tomava muita água, invariavelmente chegava em casa apertada para fazer xixi. Naquele dia, havia feito antes de sair do trabalho, mas ele nunca acreditou nisso.
Há os escaldados. Pessoas que tornam-se ciumentas após sofrerem traições, neste ou em outro relacionamento. É o caso de Décio, que era muito tranqüilo e confiava bastante em sua linda esposa, até que ela assumiu um caso e pediu o divórcio. Quem pagou o pato foi a nova namorada dele, a quem só faltou exigir o uso de coleira, tal se tornou sua obsessão.
Há também os que tornam-se ciumentos após traírem, sempre temerosos da temida vingança. Diz o ditadozinho feminista: "Mulher não trai. Se vinga!".
Ninguém está livre do ciúme. Eva contava e recontava as costelas de Adão sempre que o via sorrir um pouquinho diferente.
Se o ciumento sofre pela insegurança, pela angústia de saber-se traído, mesmo que nunca venha a carregar chifres, seu parceiro sofre ainda mais. Nada do que faz tranqüiliza o outro. Ele sente-se impotente diante das suspeitas, às vezes até ofendido. O resultado são brigas constantes e o conseqüente esfriamento do amor. Félix Lope de Vega, dramaturgo espanhol, escreveu, com muita propriedade: "o amor bem-educado costuma deixar seu lugar para o ciúme, quando este se apresenta".
Sentir ciúme é normal. E ser alvo de um pouco de ciúme é lisonjeiro, dá sensação de segurança, demonstra zelo.
"O ciúme é o tempero do amor", o povo diz. Precisa-se apenas tomar cuidado na medida para não estragar toda a receita.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 26/05/2008
Alterado em 14/06/2010