Textos

Chefes
Diz a piada: "chefes são como nuvens: quando vão embora o dia fica lindo".
Eu sempre tive sorte. Sempre tive chefes queridos, pessoas muito humanas, que ao final, acabaram tornando-se bons amigos.
Houve uma exceção, há muitos anos. Élcio era um goianão, daqueles bem broncos mesmo, que não sabia medir as palavras. Não era má pessoa. Apenas tinha uma enorme dificuldade em lidar com gente. Havia uma colega, coitada, que, vez ou outra, saia da sala dele aos prantos, pela maneira grosseira como ele a tratava. Comigo, houve apenas uma ocasião, numa reunião com usuários, em que ele me mandou calar a boca, argumentando que eu não sabia o que estava dizendo. Felizmente, ele estava errado e fui prontamente socorrida pelos outros presentes, que o fizeram recolher-se, braços cruzados a um canto.
Tirando esta vez, ele nunca mais foi grosseiro comigo. Diziam as más línguas que ele tinha medo de mim, do meu jeito meio brincalhão. Temia que eu lhe desse alguma resposta malcriada em tom de brincadeira, na frente de outras pessoas, desmoralizando-o de uma forma mais definitiva do que a da reunião.
Eu era mesmo da pá virada, daquelas que desarmam os ânimos mais belicosos com um sorriso ou uma mal criação divertida. Como quando Bráulio, o chefe seguinte, queria porque queria colocar uma outra pessoa na salinha que eu ocupava. Mínima, só cabia mesmo a minha mesa. Num determinado momento, ele argumentou:
- A gente aperta aqui, põe a mesa dele assim e... - ao ver minha cara de "nada feito!", completou - Ah! Deixa o cara ficar! Ele é bonitinho.
Eu nem pensei:
- Bonitinho? Dá pra ele, mas aqui ele não fica!
Claro que, no final, acabou ficando - felizmente, eu também! Depois dessa, poderia ter sido colocada para trabalhar dentro da sala de máquinas! - Mas, pelo menos, conseguimos arrastar a divisória um pouco para o lado de forma a aumentar a salinha.
Encontrei Bráulio numa outra empresa depois. Ainda meu chefe. Ele havia mudado muito, estava mais duro, ríspido. Comigo, manteve o mesmo tratamento de antes, mas com os outros... Houve uma ocasião, em que ele passou uns cinco minutos dando bronca nas meninas da equipe. Bronca mesmo, de dar tapas na mesa e tudo. Ao final, eu fui ao banheiro e encontrei uma delas chorando. Disse-lhe que não se preocupasse, que dali a pouco ele as chamaria para se desculpar. Ela me perguntou:
- Como é que você agüenta?
- Ah! Eu o conheço há tanto tempo... Entra por um ouvido, sai pelo outro.
Quando ia voltando para meu lugar, ele me chamou:
- Nena, você acha que fui muito duro com elas?
- Acho, sim! Não precisava.
Ele concordou, chamou todo mundo e começou:
- Puxa, meninas, desculpem-me! Acho que exagerei e me exaltei um pouco, mas é porque vocês me tiram do sério - e foi aumentando a voz - porque vocês e blá, blá, blá...
Pelo menos, desta vez, não bateu na mesa.
Já tive chefes muito amigos, verdadeiros gurus profissionais. Foi o caso do Rômulo, do Caldeira ou do Tião. Este último, meu supervisor de estágio quando eu era uma fedelha de dezenove anos. Uma vez, entrei, de mini-saia, na sala dos computadores para pegar um relatório no momento em que ele acompanhava o técnico que estava consertando uma das máquinas. O rapaz, assim que eu virei as costas, uivou:
- Tá bem servido, hein, Tião?
Pra quê? Meu chefinho, que me tratava como a uma filha, passou uma descompostura no sujeito que saiu da sala de fininho, rabinho entre as pernas. Nem olhou pra mim.
Quando o chefe consegue tornar-se amigo, a gente faz mesmo tudo por ele. Ficar trabalhando depois do expediente, final de semana ou mesmo levar serviço pra casa.
Meu último chefe era tão querido que, um dia, Cleide uma colega viu que no tampo do vaso sanitário do banheiro dele havia uma grande e feia rachadura. Horrorizada, ligou para o departamento de manutenção predial, onde foi atendida pelo Adilson:
- Adilson, pelamordedeus! Você tem que mandar alguém trocar o tampo do vaso do banheiro do chefe!
- Mas, Cleide! Nós não temos isso em estoque! Tem que pautar, levantar preço...
Cleide resolveu exagerar:
- Ai, Adilson! Dá um jeito! O tampo que está lá, está com uma rachadura horrível, cortou a perna dele, logo abaixo do bumbum. Teve que dar pontos, coitadinho!!
- Está bem... vou ver o que consigo fazer.
- Manda acolchoado, viu, meu anjo? Pra não piorar o machucado...
O apelo surtiu efeito e, no horário do almoço o assento foi trocado.
Depois de tantos anos trabalhando, eu acabei virando nuvem, isto é, chefe. Procuro seguir o exemplo desses meus chefes queridos. Já tive que ser dura, chamar a atenção e até demitir colegas. A posição de chefia tem esse lado ruim. Mas, por outro lado, você tem a oportunidade de ver surgirem novos talentos, pessoas que assumem o compromisso com a empresa e que lutam por ela, assim como por você. Já recebi demonstrações sinceras e comoventes de afeto de minhas equipes. Sempre busquei resolver as coisas com o diálogo, se possível, apelando para o humor. Durante algum tempo, usava impresso por um de meus subordinados o seguinte cartaz na parede: "Não sou sua chefe! Apenas uma colega de trabalho que sempre tem razão." Sabia que não era bem assim, sempre soube ouvir e dar razão aos membros de minha equipe. Mesmo porquê, estava cercada de técnicos excelentes, com conhecimentos profundos que eu, como chefe, jamais poderia desenvolver. Mas a piada arrancava sorrisos até dos outros colaboradores que entravam em minha sala.
Ainda tenho muito que aprender, muito a evoluir.
Então, quando você pensar em defenestrar (adoro essa palavra - ansiava pelo momento de usá-la num texto meu) seu chefe, lembre-se de que ele é o reflexo dos chefes que ele mesmo teve mas sempre há espaço para que você o ajude a tornar-se um chefe melhor.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 23/05/2008
Alterado em 23/05/2008
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