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Menino ou Menina?


Sou de uma época em que os pais decoravam o quarto de bebê de amarelinho, pois não sabiam, até o momento da palmada no bumbum, se esperavam um menino ou uma menina. Naquele época, todos nós nascíamos com pelo menos, duas alcunhas na reserva, uma masculina e uma feminina.
Alguns palpites ajudavam, alguns sinais: barriga redonda era menina, barriga pontuda menino. Me pergunto se a barriga era pontuda porque o espaçoso já ficava lá dentro tentando se esticar que nem o meu marido que consegue ocupar inteirinha uma cama super-king-size.

Hoje, a coisa evoluiu muito. Acompanha-se a gestação com olhos minuciosos, vê-se logo a evolução do bebê, sua saúde, a possibilidade de ele querer antecipar a vinda ao mundo. Com a tal da ecografia, sabe-se seu sexo antes mesmo de a mãe ser obrigada a usar aquelas calças com elástico na barriga. Isto é ótimo. Os pais podem planejar com antecedência o enxoval e dirigir seus esforços para a escolha de um único nome lindo, perfeito, que diga tudo sobre a criança, homenageie a família do pai ou da mãe, a professora do primário ou o médico que faz o pré-natal. Algo como Rosycleidianne ou Amauricélio, por exemplo.

Edson e Regina confiaram nisso. Conheceram-se num bar e, durante todo o casamento, foram assíduos freqüentadores do Amigão, boteco pé sujo nas costas da W3 sul.
Quando ela engravidou, parou de beber, mas ainda acompanhava o maridão e os muitos amigos cervejeiros nas feijoadas do sábado à tarde, onde as mesinhas dividiam a pista estreita com os muitos carros parados em fila dupla. Num evento desses, às vésperas do exame, eles discutiam sobre o sexo do bebê. Ele queria um menino, para acompanhá-lo nas peladas, na cerveja, na profissão. Ela, assim como as outras mulheres da mesa, achava que seria menina, olhando a barriga que recém despontava arredondada e firme. Os amigos sugeriram a aposta. Uma caixa de cerveja. Os dois aceitaram.

Na segunda-feira, emocionados acompanhando o exame, tentavam ver no meio daquele enxame nervoso, as partes do bebê que a médica mostrava:
- Aqui, o pezinho dele!
- Oooohhh!!
- Olha! O bracinho!!
- Aaaaahhh!
E lá estava ele: o pintinho. Menino!
- Certeza?
- Certeza!
No sábado seguinte, ela pagou a aposta. Tão logo Edson recuperou-se da ressaca, sentaram-se na varanda com um enorme livro de nomes e escolheram: Guilherme.
Quando o bebê nasceu, no entanto, o tal pintinho comprovou tratar-se do cordão umbilical enrolado entre as perninhas dela e tiveram que providenciar alguns itens cor de rosa no enxoval e, o que é pior, sentiram-se como a mãe de "Meu Guri", do Chico Buarque:
Já foi nascendo com cara de fome
e eu não tinha nem nome, pra lhe dar

Olhando a carinha de anjo, porém, nem precisaram olhar o livro: Angélica.
Angélica, gulosa, mamou por quase um ano...
Assim que parou, Regina exigiu de Edson o seu prêmio pela aposta. Em dobro.
Ele, ajuizado, pagou, sem reclamar.

Imagem daqui.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 17/04/2008
Alterado em 08/08/2010


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