Textos




De Machismo,
Marcelas e Milenas

O opressor não seria tão forte
se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.
Simone de Beauvoir

 
Nos últimos dias, duas senhoras, ambas casadas com figuras públicas, causaram na mídia, gerando polêmica.
A Veja da semana passada apresentou a "bela, recatada e do lar", vice primeira dama, Marcela Temer, em reportagem duramente criticada por feministas de ambos os sexos, devido ao seu conteúdo retrógrado e manipulador. No atual momento do País, em parte causado pelo próprio semanário que sempre deixou claro seu posicionamento contra o governo Dilma, a mensagem óbvia foi: apoiando o impeachment, você tira, do mais alto posto político do Brasil, uma ex-guerrilheira de temperamento difícil e sem atrativos físicos, coloca lá um homem e, de quebra, ganha um modelo feminino muito mais palatável ao gosto chauvinista tupiniquim: jovem, atraente sem ser vulgar, esposa, mãe e dedicada ao universo doméstico, alheia aos assuntos do mundo que devem mesmo ficar sob controle masculino.
Sem entrar no mérito das escolhas de Marcela que, dentro das leis, pode ser o que desejar, convenhamos, o artigo foi um lamentável quadro da realidade nacional. A revista estava ciente de que desagradaria a mulherada que luta por igualdade, pelo direito de escolher e seguir a carreira que quiser - até a política -, de sonhar em ser mais do que a sombra - ou a primeira dama - de seu macho. Por outro lado, seduzia um público muito maior com a imagem da moçoila, buscando reduzir a rejeição crescente ao seu impopular e ardiloso marido.
A outra noticiada foi a consorte do Ministro do Turismo, Alessandro Teixeira. Milena Santos, eleita Miss bumbum Estados Unidos em 2013, não tem nenhum pudor em exibir seus dotes, o que provocou uma avalanche de comentários nojentos sobre sua honra e dignidade. Não há nada que indique ser ela uma profissional do sexo, mas para a tradicional misoginia brasileira, a moça tornou-se o exemplo paradigmático de prostituta.
Esta, aliás, foi a "ofensa" mais usada, inclusive por mulheres, o que é ainda mais triste. Avaliar o caráter de Marcela ou Milena por seus modos é manter a nós todas sob o jugo desta sociedade machista, que ainda exige que a mulher "se dê ao respeito", sem jamais vir a respeitá-la realmente.

 
Texto publicado na edição de hoje do Jornal Alô Brasília. Importante ressaltar que não me identifico com Marcela, mas também não me identifico com Milena, porque acredito que a exposição que ela faz do próprio corpo alimenta a objetivação da mulher. 
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 29/04/2016
Alterado em 29/04/2016


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