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Rosa

 
Aproximei-me novamente do caixão e dei mais uma olhada nela. Impossível reconhecê-la, embaixo de tanta maquiagem, provavelmente aplicada pelos profissionais da funerária para esconder os estragos feitos pelos médicos na vã tentativa de reanimação.
Ela era tão linda! Tinha a pele aveludada e macia, sempre bronzeada, o corpo naturalmente perfeito, curvilíneo e feminino. Seus olhos azuis turquesa eram as janelas de uma alma irrequieta e curiosa, os lábios carnudos eram morada de um sorriso brejeiro e os cabelos negros e rebeldes escorriam pelos ombros, emoldurando um rosto delicado e harmonioso. Não. Aquela mulher deitada ali era uma impostora, jamais a minha Rosa, a minha flor. Não era a minha Rosa aquela criatura de cabelos presos, trajando um sóbrio vestido lilás, provavelmente adquirido às pressas pela irmã dela que nunca aceitou suas escolhas de vida, de roupas sensuais e coloridas. Aquela defunta - sim! era isso o que aquela coisa no caixão era: uma defunta! - não era a minha Rosa e esta certeza, fazia-me, de vez em quando, olhar em direção à porta, na expectativa de que, a qualquer momento, Rosa pudesse entrar por ela, rindo sua gargalhada feliz e chamando-nos a todos de bobos por estarmos ali, velando uma boneca de cera.
Mais um abraço de condolência vem tentar me convencer de que a morta ali é mesmo minha Rosa, transmutada naquele arremedo de rosa, uma feia e áspera flor de plástico.
Mas flores de plástico não morrem e minha Rosa está morta.
Flores de plástico não morrem. Nem matam.
Minha Rosa não era uma flor de plástico, nem era de plástico a Cerbera Odollam de onde extraí o veneno que, cuidadosamente, servi a ela ontem à noite, depois que soube que Rosa me traia.
 

Este texto faz parte do Exercício Criativo:
Flores de plástico não morrem
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/floresdeplasticonaomorrem.htm
 
Na imagem, copiada daqui, vê-se a Cerbera Odollam, cujas flores e sementes são altamente tóxicas, pelo efeito de um glicosídeo potente chamado cerberinque pode levar à morte em cerca de três horas, por parada cardíaca. O assassinato por cerberin pode ser considerado um crime perfeito, pois ele fica indetectável após o envenenamento
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 22/09/2014
Alterado em 22/09/2014


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