Textos



Lino, o Peixinho
e o seu Papai Herói

Lino era um lindo peixinho dourado, desses bem comuns que tem em todo aquário. Mas Lino não vivia num aquário. Ah, não! Ele, seu papai, sua mamãe e sua irmãzinha, viviam num lago de águas límpidas, protegidos por uma barragem natural formada por grandes rochas negras. Do outro lado dessa muralha, corria, bem bravo, o rio Tombalá, onde havia todo tipo de perigo.

Lá, a correnteza era zangada e lançava contra as muitas pedras que havia por ali qualquer um que, de bobo, se metesse em seu caminho.

Lá, também havia peixes grandes e famintos, que não perderiam nenhuma chance de abocanhar sequer um pequenino verme, que dirá, um lindo peixinho dourado como o Lino.

E era também, lá, que ficava a temida floresta dos anzóis. Este era o pior perigo de todos. Um pequeno descuido, e adeus peixinho Lino, as largas nadadeiras espetadas por um gancho pontudo, subindo para fora da água, até nunca mais. Que medo!

Desde pequenas, as crianças do lugar aprendiam a nunca, nunca mesmo, se aventurarem para fora da barragem natural.

E assim, viviam todos ali, numa vidinha bem tranquila. O filhotes iam à escola onde passavam o dia inteirinho, estudando e brincando, brincando e estudando, sempre sob o olhar atento da dona Adelina, uma gorda carpa bem vermelha.

O dia inteirinho também passavam os papais e as mamães, trabalhando duro pra trazer para casa a comida saborosa e bem saudável que todos eles em volta da mesa, rezavam para agradecer.

O papai de Lino era da polícia e era muito forte e corajoso. Ele usava um chapeuzinho azul e sempre contava ao Lino sobre como controlava o trânsito dos cardumes, que é o nome que a gente dá quando um monte de peixes está nadando junto. Se não fosse o trabalho do papai de Lino, imagine a confusão, quando um cardume de traíras encontrasse um de ituís... Ia ficar tudo misturado e ituís e traíras não gostam de confusão.

Ah! Para Lino, seu papai era um herói, capaz de controlar montes de peixes tão grandes só com o seu apito barulhento. Ele não podia contar para ninguém, mas, às vezes, em casa, à noite, o papai lhe emprestava o tal apito e deixava o Lino soprar com toda força. Claro que o barulho era pequenininho como era pequeno o peixinho Lino, que ainda não conseguia soprar tão forte como soprava forte o seu papai. Mas era o que bastava para o pequenino ir dormir feliz.

E o papai do Lino contava história, contava história e tanta aventura! Ah! Quando, à noitinha, o papai do Lino ia colocá-lo para dormir, contava-lhe suas façanhas. E Lino, orgulhoso, também contava aos amigos, sempre aumentando um pouquinho, as histórias do papai:

– Teve um dia que um tubarão chegou aqui e queria comer todo mundo!

– Tubarão? – tremeu Marianinha.

– Aqui não tem tubarão! Tubarão só mesmo no mar! – desmentia o Joãozinho que era um bocadinho mais crescido e sabia mais das coisas.

– Não tem agora, que meu pai expulsou todos! – gritou Lino zangado.

As peixinhas falavam “Oh!”, com as boquinhas bem abertas. Os peixinhos diziam “Viva!” levantando as nadadeiras. E o Joãozinho se calava que ele sabia de muitas coisas, mas não sabia direito dessa história e não ia comprar briga com um peixinho que tinha um papai tão corajoso.

Não é que o Lino fosse mentiroso. É que, às vezes, no meio da empolgação, ele acabava aumentando um pouquinho e, assim, a fama de seu papai também aumentava junto.

Até aquele dia!

Ah! Que dia triste para o Lino. A turma toda da escola quis ir ver o papai do Lino trabalhando. E a tia Adelina que já estava enjoada daquelas histórias todas, resolveu juntar um cardume de peixinhos e peixinhas e foram todos juntos ao Departamento de Policia. Ah! Coitadinho do Lino! Ah! Que decepção! Seu pai era da polícia, mas não era policial. Era nada! Quando chegaram lá, o papai do Lino empurrava um carrinho de limpeza, com panos velhos e vassouras. Ele era o faxineiro do lugar e, o apito, ele usava quando ia limpar o banheiro feminino, para avisar que ia entrar.

Ah! Que tristeza, sentiu o peixinho, que desencanto! Enquanto os amigos riam dele, seu coração ficou pequenininho. Tão pequenininho que poderia fugir pela boca e nunca mais voltar. E era tanta tristeza, tanta vergonha, que Lino só pensou em sumir.

E não adiantou o pai chamar, não adiantou a tia Adelina tentar entrar na frente da janela aberta, Lino passou na frestinha que ela deixou e nadou, nadou muito e forte e o mais rápido que conseguiu.

E Lino fechou os olhinhos com força e continuou nadando o mais rápido que pode, passou no meio de um cardume de ituís e também por um cardume de traíras que saíram de sua rota e foi uma grande confusão. Ele sabia que ituís e traíras não gostam de confusão, mas ele não viu nada, porque continuava nadando com seus olhinhos fechados. A impressão que dava é que o Lino nunca mais ia parar. E ele não queria mesmo, parar nunca mais.

E foi assim que, sem abrir os olhos, o peixinho acabou atravessando a barragem das grandes rochas negras e só se deu conta do que havia feito quando sentiu a correnteza tentando jogá-lo contra as pedras do caminho.

”E agora?” pensou o Lino, enquanto lutava contra as águas para não ser esmagado naquelas pedras pontudas. Quando viu que não tinha jeito, fechou de novo os olhinhos e esperou a pancada.

E não é que não bateu? As águas, ao mesmo tempo em que o jogavam contra as pedras, o empurravam para longe, em turbilhão.

Meio tonto, ele chegou a um trecho mais manso do rio. Nem teve a chance de respirar aliviado, porque deu de cara com o cardume de umas grandes corvinas, umas peixonas famintas, com as boconas abertas, milhões de dentes à mostra, tentando pegar o peixinho. E o peixinho fugia, e os peixões perseguiam, e foi uma correria! E uma corvina chegou a triscar os seus dentões na linda cauda do Lino e o Lino se encolheu e se escondeu nuns matinhos, e os peixões procuravam e Lino mais se escondia.

E os peixões se zangaram de ver o peixinho escondido e às dentadas arrancaram o esconderijo do Lino. Folha a folha, eles puxavam, deixando o peixinho à mostra.

“Papai-peixe do céu, agora eu vou!”, pensou o peixinho Lino achando que ia morrer quando uma grande boca veio na sua direção. Sentindo nas costa o bafo da monstra, ele viu uma brecha entre os talos das plantas e muito mais do que depressa, deu um jeito de escapar. E o peixinho desviava das pedras e a peixona atrás, e o peixinho fugia da monstra e as pedras à frente e nessa correria, ele nem sequer se deu conta, entrou na floresta dos anzóis. A corvina que o seguia, com a bocona bem aberta acabou mordendo um anzol e foi loguinho pescada. Foi arrancada da água, sem chance de lutar.

“Valei-me, santa Barracuda!”, rezou de novo o peixinho, já sabendo que o destino de quem nadava por ali era o mesmo da corvina. Foi nadando com cuidado, desviando dos anzóis, e, quando já achava que ia conseguir fugir, sentiu um forte puxão. Alguma coisa agarrava, com força, suas nadadeiras. O peixe menino percebeu que agora não tinha mais jeito. Era “adeus, Lino e nunca mais”! Por mais que ele tentasse nadar, estava mesmo bem preso.

Foi quando ele ouviu uma voz e a voz lhe pedia para parar de nadar. E era a voz do seu papai, que o segurava com força:

– Perdoa, filho! Eu menti porque queria que você se orgulhasse de mim.

O peixinho olhou para trás e viu o seu papai, ali, olhando para ele com uns olhinhos bem tristes. E, dos olhos tristes do papai do peixinho Lino brotava tanto amor, que ele logo entendeu. Tudo o que o papai tinha feito, as mentiras inventadas, era por ter vergonha de não ser alguém que o peixinho Lino admirasse.

E o peixinho Lino lembrou das histórias que o papai lhe contava e de como ele gostava das histórias do papai. Eram tão incríveis, que nem era tão ruim que elas não fossem verdade.

E o peixinho Lino lembrou-se do quanto o papai trabalhava e, mesmo quando chegava em casa muito cansado, ainda arrumava tempo para inventar historias e contar a ele. Às vezes, o papai dormia antes do peixinho Lino, antes do fim da história.

E o peixinho Lino observou que o papai fazia de tudo para que nada faltasse à família, para que ele pudesse estudar e, quando crescer, pudesse ser alguém. Até um policial de verdade, se ele quisesse.

E o peixinho Lino sentiu vergonha de ter se zangado com o papai.

E o peixinho Lino entendeu que herói não é só aquele que controla o trânsito com um apito estridente. Não é nem mesmo preciso que ele prenda ladrões ou viva correndo perigo em grandes aventuras

Ser herói é muito mais do que isso. É ser capaz de abraçar uma missão e dar a ela o seu melhor, com coragem e amor. E, já que a missão do papai do Lino era ser o papai do Lino, ninguém neste mundo faria isso melhor.

– Eu tenho, papai. Muito orgulho de você. Você é o meu herói! – disse o peixinho.

E os dois ficaram um bom tempo ali, abraçados, antes de voltarem para casa. Não foi nada fácil, nadar contra a correnteza, evitando os anzóis e os peixes grandões e a fúrias das águas do rio Tombalá. Mas, juntos, o pai ajudando o filho e o filho ajudando o pai, eles conseguiram.

E os amigos do Lino? Aqueles que riram dele quando viram que seu pai era só um faxineiro?

Nem se lembravam mais disso quando os dois chegaram juntos, exaustos e com alguns arranhões, mas cheios das mais incríveis histórias, histórias de verdade, para a todos contar.





Texto escrito para o Desafio Literário da Câmara dos Deputados
Contos de Fadas da Dinamarca - Etapa 2 - Opção 1
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 03/10/2012
Alterado em 10/10/2012


Comentários