Textos

Minha amiga oculta foi uma das primeiras pessoas que conheci aqui no Recanto. Mais exatamente, foi a sexta pessoa a comentar um texto meu, em março de 2008.
Lembro que fiquei surpresa de ter em minha página alguém com a bagagem dela, que naquela ocasião já tinha uma boa centena de textos a mais do que eu e é uma figura proeminente na cultura de sua cidade.
Somos essencialmente diferentes, no traço e em muitas idéias, embora isso não me impeça de afirmar: é uma mulher admirável!
Nos últimos meses, esta admiração cresceu mais, uma vez que ela se rendeu a uma de minhas grandes paixões.

E, claro, é sobre essa paixão que vai versar o meu presente para ela hoje.





Para viver um grande amor

Adonias era um sujeito calado. Viúvo sem filhos, vivia só com suas saudades e manias. Felizmente, era saudável, pois, com o pouco que recebia da previdência, não poderia dar-se ao luxo de sustentar mazelas.
No pequeno quintal dedicava uma parte do dia a cuidar da horta e de um canteiro de flores, herança da falecida e, só por isso digno de sua atenção, já que importava-se pouco com a beleza ou o perfume delas.
Foi, porém, justamente nesse cantinho onde a terra era sempre fofa e úmida que ele, numa manhã muito fria, deparou-se com aquele parzinho de olhos assustados, vigiando-o por entre as folhagens. Pensou que fosse um rato, e lançou-se contra ele, para espantá-lo dali antes que ele fosse sapatear sobre suas verduras. Os olhinhos fecharam-se assustados, e a criaturinha encolheu-se toda, mas sem arredar o pé dali. Entre pétalas e folhas, o pequeno descortinou-se aos poucos, mas ele logo percebeu que o dono daqueles olhinhos cheios de curiosidade e medo era um cãozinho.
Adonias aproximou-se um pouco mais, desta vez com delicadeza. Tocou o bichinho com a ponta dos dedos e fez um carinho. Era o que faltava para que o pequenino saltasse de seu esconderijo saltitando, alegre e desengonçado à sua volta. Para sua surpresa, logo atrás dele veio outro cachorrinho, igualmente estabanado, atropelando o primeiro e enrolando-se com ele numa bola de pelos e patas que rosnava esganiçada.
Adonias sorriu diante daquela cena, surpreendido por esse movimento tão raro em seus lábios desde a partida da sua amada esposa. Sua vida não tinha mesmo lá muita graça, vivia, apenas, à espera do momento em que pudesse ir ao encontro dela.
Mas agora, observava os filhotes engalfinhando-se aos seus pés, enquanto sentia um sorriso definitivamente marcando sua face vincada. Acocorou-se para tocar neles e eles logo esqueceram sua brincadeira para agarrar-lhe os dedos com dentinhos afiados.
Adonias não sabia como aqueles filhotes haviam chegado ali, talvez alguém os tivesse jogado pela grade, mais baixa ao fundo do lote. Porém, costumava aceitar com resignação os desígnios de Deus e se eles estavam ali agora, é porque assim Ele queria.
Com delicadeza pegou os pequeninos. Sentiu uma enorme ternura em tocar-lhes a pelagem morna e macia. Levou-os para dentro, embora soubesse que não poderia ficar com eles: como sustentar dois cãezinhos se mal era capaz de se manter? Acomodou-os numa caixa com uma velha camisa de lã e os levou até a petshop mais próxima. Ficou surpreso ao saber que a loja não os receberia. O máximo que conseguiu deles foi algum desconto nas vacinas e ração. Ele aceitou a oferta e aproveitou para consultar um veterinário sobre a saúde dos bebês. Enquanto conversava com o médico, soube que muito perto dali, havia uma senhora que tinha muitos cães, todos recolhidos das ruas. Ela os resgatava, cuidava deles e colocava para adoção. Animado, ele levou os cãezinhos até ela.
Dona Sílvia foi muito gentil, mas explicou-lhe que não poderia ficar com eles. Estava com a lotação esgotada, endividada... e já completou:

Como todos os outros protetores que conheço!
Então, contou a ele como é difícil ser protetor, manter um abrigo. O ideal é que todos fizessem o que ele estava fazendo: pegar os bichinhos e cuidar deles até eles encontrarem seus lares. Falou da importância da castração para diminuir a quantidade de animais abandonados nas ruas e lhe deu uma cartilha com algumas dicas de como cuidar de cães.
Em seguida, ela tirou fotos dos pequenos e montou alguns cartazes, que ele espalhou pelo comércio vizinho. Ela também o orientou a ter bastante cuidado na escolha dos adotantes, pois muita gente vem à procura de um bichinho movida pela emoção, sem pensar direito no que está fazendo e depois, acaba abandonando ou maltratando. Ela lhe mostrou alguns dos seus protegidinhos, resgatados nessas circunstâncias, todos muito machucados, magros, assustados, tristes.
Adonias saiu de lá profundamente angustiado. Não podia imaginar alguém fazendo mal àquelas criaturinhas. Não conseguia conceber que alguém fosse capaz de adotar um bebezinho daqueles para depois jogá-lo fora como lixo ou abandoná-lo. Voltou com eles para casa e passou a cuidar deles, enquanto aguardava por adotantes.
Não tardou muito, eles começaram a aparecer. Os filhotes eram lindos e as fotos de dona Sílvia, muito caprichosa e experiente, souberam explorar seus melhores ângulos. Assim, todos que viam os cartazes se encantavam com eles.
Adonias foi muito criterioso na escolha. Mesmo com tantos candidatos, levou mais de duas semanas para encontrar a pessoa certa. Até por isso, teve a sorte de encontrar uma moça muito carinhosa que quis adotar os dois juntos:

Ai, que maldade! Separar os irmãozinhos! Já perderam a mãezinha deles... Nunca!
Adelaide era dona de casa e passava a maior parte do dia sozinha. Sentia falta de companhia e comprometeu-se a cuidar muito bem deles, a quem deu logo os nomes de Pongo e Joca. Ao perceber a insegurança de Adonias em entregar-lhe os filhotes, ela o convidou para conhecer o local onde eles viveriam. Era uma casa simples, a apenas duas quadras dali, com um quintal mais ou menos do tamanho do dele, bem arrumadinho, tudo muito limpo e protegido, os bichinhos não conseguiriam fugir e arriscar-se nas ruas.

Eles poderão brincar aqui, mas viverão dentro de casa conosco. – ela disse. – Ah! E você pode vir visitá-los sempre que quiser!.
Adonias sentiu-se muito confiante em entregar-lhe os pequeninos. Entregou a ela também a cartilha recebida da dona Sílvia, com todas as orientações para ela cuidar dos cãezinhos e voltou para sua casa, aliviado por ter feito a coisa certa.
Principalmente, quando ela lhe garantiu que providenciaria a castração dos dois.
Porém, nessas duas semanas em que conviveu com os bichinhos, sua vida havia mudado completamente. Agora, a casa estava ainda mais vazia e triste. Se um passarinho piava no quintal já pensava ter ouvido o latidinho de um dos cães, para lembrar, desapontado, que eles não estavam mais lá.
Adonias tentou retomar sua rotina, mas nada mais lhe dava prazer e, aos poucos foi descuidando da horta e das flores, que já davam mostras do abandono.
Porém, menos de um mês depois, Adelaide o procurou para perguntar se ele não poderia ficar com os cãezinhos por uns dias. Precisava fazer uma viagem de emergência a um parente adoentado e não confiaria seus pequenos Pongo e Joca a mais ninguém.
Adonias sorriu largo novamente. Foram dias de muita alegria e, ao mesmo tempo, de muita aflição, ao saber que logo os dois iriam embora outra vez. Mas isso serviu para lhe dar uma ideia: tão logo os cãezinhos foram embora, ele abriu um serviço de hospedagem e, sempre que algum dos vizinhos precisava viajar, sabia com quem deixar o seu bichinho de estimação. Com isso, sua renda aumentou um pouco e pode ajudar a dona Sílvia com seu abrigo. Também era para lá que ele ia sempre que estava sem hóspedes em casa, para dar uma forcinha. Habilidoso, melhorou todas as instalações do local, melhorando a vida dos cães e reduzindo o trabalho da velha senhora.
Adonias tornou-se logo o amigão de todos os cães do bairro.
Onde andava, rabinhos balançavam em cumprimento e os que ele mais gostava de ver balançando eram mesmo os de Pongo e Joca a quem sempre dava um jeitinho de visitar.
Ah! E o canteiro de flores da falecida acabou cedendo lugar a uma azaléia, árvore florida e frondosa, a preferida de dona Sílvia.


Bom... Se com isso você não adivinhou quem é a minha amiga oculta, agora eu revelo: Maria Olímpia Alves de Mello. Nome grande para uma grande mulher!

Pongo e Joca são os nomes dos cãezinhos dela que, eu tenho certeza, mudaram definitivamente sua vida.





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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Amigo Oculto
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/amigooculto2011.htm
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 23/12/2011
Alterado em 29/12/2011


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