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Aquilo É Que Era Mulher

“Aquilo é que era mulher
Pra não me acordar cedo, saía da cama na ponta do pé
Só me chamava tarde sabia meu gosto, na bandeja café
Chocolate, biscoito, salada de fruta.....suco de mamão
No almoço era filé mignon
Com arroz à la grega, batata corada e um vinho do bom
No jantar era a mesma fartura do almoço
E ainda tinha opção”

(Vacilão - Zé Roberto)


“Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”

(Ai, Que Saudade da Amélia - Ataulfo Alves - Mário Lago)



Gravei um CD com sambinhas e chorinhos para ouvir no carro, companhia ideal para me acompanhar entre um engarrafamento e outro. Sim! Pasmem! É sem qualquer orgulho que anuncio: Brasília também tem engarrafamento. Ainda não é um daqueles monstruosos de São Paulo ou da Cidade Maravilhosa, mas para nós, ainda desacostumados dessa aporrinhação, só mesmo com muita boa música para aturar.

Dentre as selecionadas, está lá, numa gravação de 1955, Ataulfo Alves cantando as qualidades de sua doce, saudosa e resignada Amélia.

Parei para prestar atenção na letra. Realmente, o sujeito fez uma troca infeliz. Enquanto a atual, egoísta e exigente, deseja tudo o que vê, Amélia chegava ao cúmulo de achar bonito passar fome, desde que ao lado dele.

Mas se Amélia era assim, tão mulher de verdade, por que ele agora se vê às voltas com a outra?

Talvez Amélia tenha morrido de inanição... um sorriso débil nos lábios, enquanto se despedia deste mundo, desta vida de privações, mas plena de amor.

Ou, quem sabe, não tenha chegado a tanto. Não morreu, a pobrezinha. Mas, definhou, descuidada, sem vaidade nenhuma, os cabelos desgrenhados, as unhas quebradiças, as fundas olheiras sobre a pele acinzentada de quem não “vive pelas praias coloridas pelo sol”. Se isso é ser mulher de verdade, homem quer mesmo é viver de ilusão e provavelmente nosso herói cansou-se de tanta languidez subserviente e foi atrás de curvas voluptuosas, em carne tenra e cheirosa, de cores vibrantes e gostos requintados.

Com o tempo porém, percebeu não ser capaz de pagar o preço daquela deusa. E veio a saudade da Amélia. Que, afinal, não era esse mulherão, mas era mulher de verdade.

E Amélia? Amélia, cansada de dar cama, mesa e banho para esse perdedor, resolveu parar de tentar consolá-lo com seu bordão, arregaçou as mangas e foi ela mesma achar o que fazer. Começou vendendo salgadinhos para festas e, com muito trabalho e afinco, hoje é dona do vistoso e concorridíssimo Buffet d'Amélie. Tem empregados, freqüenta academia, salão de beleza e bons restaurantes. Casou-se de novo, com alguém que soube valorizar mais do que suas qualidades de forno e fogão, mais do que seus modos humildes e submissos. Viu nela o que ela realmente era: uma mulher. De verdade.

Imagem daqui.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 28/08/2009
Alterado em 07/07/2010


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