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Uma Crônica Triste
Chegamos hoje do trabalho por volta das 19h20 e o marido pediu-me para não armar o alarme, pois ia ver a Jade, nossa boxer. Eu conferia o peixinho doente que ainda resiste bravamente, quando o marido entrou em casa, alguns segundos depois, meio assustado:
- Acho que ela morreu. Pega a lanterna...
Fomos conferir. Era verdade: ela jazia, fria, meio rígida, olho aberto, vidrado. Nossa cachorrinha, finalmente, perdeu a luta contra uma progressiva falência renal que lhe roubou alguns quilos e a aparência estabanada e alegre, de abanar todo o corpo na falta do rabo, cotó.
Desde o diagnóstico fizemos todo o possível por sua recuperação, mas sempre fica aquela sensação de fracasso, de havermos falhado em algo.
Pelas câmeras de segurança pudemos vê-la subir, com dificuldades, no sofazinho da varanda onde ela gostava de cochilar ao sol. Também foi possível vê-la andar abatida e fraca, macérrima, atrás do jardineiro. Momentos antes do horário de saída dele, por volta das 16h40 ela parecia pedir-lhe ajuda, cambaleante, a coluna arqueada, enquanto ele andava de um lado a outro da garagem cuidando de seus afazeres.
Inevitável lembrar daquela mulher que morreu sem socorro, num hospital, nos EUA, sob o olhar vítreo e vigilante de câmeras como as nossas. Não era um cão, que, por mais amado que seja, ainda é um cão.  Era um ser humano. E a tristeza pela morte de nosso animalzinho, ganha cores ainda mais sombrias com essa lembrança.
O jardineiro colocou a comida e prendeu a Jade às 17h. Depois não há mais imagens dela. Não é possível saber se ela partiu suavemente ou se sofreu, mas queríamos ter estado com ela, queríamos não tê-la deixado morrer assim, sozinha.
Queríamos ter brincado mais de bola, queríamos ter ido com ela até a beira do córrego onde ela mergulhava as patas para beber água ou se lançava feliz à caça dos patos selvagens. A morte se anunciava e nós achávamos que haveria mais tempo, mais um anoitecer, mais um dia, outro final de semana, em que poderíamos ficar com ela e fazê-la um pouco mais feliz. E era só um doce cãozinho.
Essa frustração de saber que agora é tarde demais é o que mais nos dói na morte da Jade. Sei que vai parecer clichê, mas, nessa hora de tristeza, só o que penso é que não devemos deixar para amanhã nenhuma oportunidade de estarmos com aqueles que amamos, de brincarmos com eles, passearmos com eles, deixá-los saber o quanto nos são queridos e especiais.
E se um dia a morte os vier buscar, seja de forma anunciada, seja inesperadamente, possamos sentir a falta e a tristeza normais da perda e da saudade, sem nunca lamentarmos pelo tanto que poderíamos ter-lhes feito mais felizes.
Nena Medeiros
Enviado por Nena Medeiros em 17/07/2008


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